Rio Grande do Sul

Coluna

Dividir para reinar

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"Mesmo que na aparência o etarismo não diferencie homens nem mulheres, é muito importante para o patriarcado capitalista o aprofundamento de todo o tipo de divisão social" - Foto: Lucía Prieto/Exposição da Defensoria del Pueblo, no 8M de Buenos Aires
A criação de um sistema mais includente e sororal não pode esperar mais tempo

O sistema capitalista, para existir, precisa de divisões dentro dos diversos grupos e extratos sociais. Quais sejam patriarcado, racismo, etarismo, heterossexualidade compulsória, entre outros, de forma a dividir esses grupos e ampliar o seu domínio.

Todas elas contribuem para o desenvolvimento do capitalismo de várias maneiras, dentre outros para assegurar a desigualdade social e econômica, que permite e amplia a acumulação de capital.

Um dos grupos, como mencionado, é o etarismo, tão pouco debatido até agora, um tipo de divisão (velhes e jovens) que existe há muito tempo ilustrada na figura da bondade, caridade, economia dos cuidados, exercida principalmente por mulheres.

De um ponto de vista mais geral, o sistema de dominação patriarcal se baseia na desigualdade entre homens e mulheres, tratando essas como operárias do lar. Elas trabalham para os homens. Esses agem como se fossem seus patrões, porém sem salários, sem horários nem feriados e sem carteira assinada, na medida em que o trabalho doméstico é indispensável à acumulação capitalista. E quando são profissionais, recebem salários inferiores pelas mesmas funções. 

Como afirmou Flora Tristan, feminista do sec. XIX, “as mulheres são as proletárias do proletariado”. Atualmente vivemos um momento histórico no qual essas contradições se aprofundam aceleradamente. Em quase todos os países do mundo a classe trabalhadora vem perdendo seus direitos. A ideologia da classe dominante vem se fortalecendo em todas as esferas humanas e não-humanas, como a destruição ambiental. Nesse caso a ideologia patriarcal exerce um papel central.

Vou contar dois exemplos de opressão sofridos por mulheres. Considero que essas pequenas HERStorias, e existem muitas mais, são uma verdadeira manifestação do patriarcado.

Um dia, eu estava na cozinha e da minha janela pude ouvir o vizinho do prédio ao lado falando com autoridade e conhecimento:

− “Olha aqui. Observa”. “Este pote é menor que o outro! E a tampa! Cadê a tampa?”     

Ele não gritava. E nem a ofendia. Era apenas um tom audível pela vizinhança mais próxima, nem agredia verbalmente à mulher. Mas a ordem era clara.

Alguém duvida que era o seu marido?  É um senhor que sempre tem respostas pra tudo.  Quando ela não concorda, continua adiante. Ele nem fica sabendo e acredita que ela fez como ele mandou. Este é um caso de machismo estrutural.

Mais uma forma de dominar as mulheres, desde a infância até a velhice. A diferença entre essas idades é que nos primeiros anos essa dominação masculina, pelos pais, irmão, colegas, não dói tanto quanto numa mulher adulta e mais velha. A perda da autonomia das mulheres é construída ao longo de suas vidas. Eles, por sua vez, se transformam em trabalhadores obedientes e oprimem as mulheres para induzi-las ou a manter a tradição de se responsabilizar pelas coisas da casa. 

Trago, agora, um caso de etarismo patriarcal.

Eu sou uma mulher de 72 anos o que permite às pessoas querer me ajudar em tudo o que faço. E, ao mesmo tempo, exigem de mim um mesmo comportamento de quando caminhava nas ruas com menos de 50 anos.

Um dia desses, atravessando uma avenida pela faixa de segurança, devagar como convém a uma pessoa da minha idade, um motoqueiro nervosinho passou por mim rápido e ainda gritou: te mexe velha!

Dificilmente uma mulher reagiria assim com outra. Seja qual for a idade.

Voltamos aqui às origens da desigualdade. Historicamente o patriarcado é mais antigo que o capitalismo e a opressão às mulheres é um dos pilares de sua sustentação. É preciso entender, que como as feministas têm evoluído muito em sua organização, as formas de opressão, infelizmente, também.

Conforme discute a grande Silvia Federici, em Calibán y la Bruja, “(…) como explicar a execução de centenas de milhares de ‘bruxas’ e porque o capitalismo surge enquanto está em marcha esta guerra contra as mulheres. (…) A caça às bruxas visava destruir o controle que as mulheres tinham exercido sobre sua função reprodutiva e que serviu para aplainar o caminho (...) para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressivo.” (Federici, 2010)

Fica evidente aqui que patriarcado e capitalismo são as duas caras de uma mesma moeda. É a desigualdade material que apoia o surgimento do capitalismo e traz o predomínio da ideologia dominante. Portanto, mesmo que na aparência o etarismo não diferencie homens nem mulheres, é muito importante para o patriarcado capitalista o aprofundamento de todo o tipo de divisão social. O etarismo nesse aspecto se soma às diversas formas de opressão. A única forma de acabar com esse modo de produção é acabar com o Capitalismo e com o Patriarcado.

A criação de um sistema mais includente e sororal não pode esperar mais tempo, estamos cansadas e com pressa. Daqui a pouco seremos nós a ficar nervosinhas. Se liguem senhores o sistema patriarcal e o capitalismo oprimem também vocês.

* Clarisse Chiappini Castilhos, economista aposentada; feminista desde os anos 1970.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko