Paraná

Educação

Governo prometeu uniformes em troca de apoio à gestão das escolas cívico militares, relatam famílias

95 mil peças foram desperdiçadas devido fabricação errada pela empresa Triunfo, contratada pelo governo

Paraná |
Governador Ratinho Junior em cerimônia de entrega de uniformes em colégio cívico - Jonathan Campos/AEN

Pais e mães com filhos nas escolas estaduais do Paraná, que aderiram à gestão cívico militar, relembram terem sido informados por representantes dos Núcleos da Educação sobre a importância e o diferencial do novo uniforme que seria doado pelo governo, antes da consulta à comunidade escolar. No entanto, o que seria “a menina dos olhos” das escolas cívico militares, vem se apresentando como um grande problema para as famílias e, tudo indica, desperdício de recurso público, já que mais de 95 mil peças foram fabricadas em modelos errados e tiveram que ser inutilizadas.  

Novamente os uniformes voltam à pauta: em 2021, famílias reclamaram que os alunos tinham que usar as mesmas peças a semana inteira, além de serem roupas de má qualidade. E, nesta semana, o líder da oposição na Assembleia Legislativa, deputado Requião Filho (PT), usou a tribuna para denunciar que mais de 95 mil uniformes comprados em 2021 foram inutilizados porque teriam sido entregues fora dos tamanhos e padrões pela empresa Triunfo, contratada pelo governo. 

Com a implementação do novo modelo de gestão em mais de 280 escolas no Paraná, diversas mudanças foram introduzidas para distingui-las das demais. Entre elas, o uso de uniformes específicos, uma farda azul que seria doada aos alunos pelo governo. Segundo relatos de mães, a doação das fardas foi um dos principais argumentos apresentado pelo governo às famílias, antes das consultas que decidiram, por meio de votação da comunidade escolar, sobre a adesão ou não daquela unidade de ensino ao modelo cívico militar.

“Eu lembro de ouvir em reuniões, de pessoas do Núcleo da Educação sobre a novidade dos uniformes, falaram que seria uma farda, que os nossos filhos se sentiriam diferenciados e que só a farda os faria valorizarem as mudanças para cívico militar.  Mas, hoje vemos que é pior parte porque não tem quantidade suficiente para todos,” diz Fabiana Neiva, mãe de uma aluna de uma das escolas cívicos militares no Paraná.

Outra mãe (não quis ser identificada) disse ter sido enganada pelo governo. “Eu votei a favor porque acreditei que seria para melhor. Mas, no caso dos uniformes, foi uma enganação. Meu filho só tem uma peça que ganhou em 2021 e não serve mais.  Agora, não recebemos outro,” disse.

95 mil peças desperdiçadas


Deputado Requião Filho. / Orlando Kissner

O líder da oposição na ALEP, deputado Requião Filho, denunciou que a empresa Triunfo, contratada em 2021, via licitação pelo governo do Paraná, confeccionou 95 mil peças no tamanho errado e que estas ficaram paradas no estoque da Secretaria de Educação do Paraná (Seed). Ele ainda disse que mesmo com estes problemas, a empresa assinou um segundo contrato com o governo do estado e continua prestando serviços.

No total, a empresa venceu a licitação de R$ 45 milhões para entregar 1 milhão de peças de uniformes. Requião Filho informou que em fevereiro deste ano, foi assinado pela empresa e governo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que os uniformes fossem entregues. Segundo este termo, o governo diz que houve descumprimento contratual e solicita que sejam fabricados 33.346 mil uniformes, sendo 17.349 mil fardas e 16.087 mil camisetas.

No documento, a Triunfo se compromete a entregar 33 mil unidades em seis meses. Em troca, deixa de responder processo administrativo e pagar multa prevista em contrato.

Escolas recomendam que roupas não sejam lavadas na semana por serem peças únicas

O problema com os uniformes que chegaram a ser usados como campanha do governo para que pais, mães e alunos votassem a favor nas consultas sobre a adesão ao modelo cívico militar, não é novo. Além da empresa já ter sido denunciada por ser investigada, famílias já haviam denunciado, em 2021, que direções de escolas haviam enviado circular orientando que alunos usassem a mesma peça a semana inteira e que não lavassem as roupas.

“Evitem lavar a calça e a blusa durante a semana; somente a camiseta, que foram doadas duas por aluno.” Esse é um dos itens de circular envida aos pais, em 2021, pela direção do Colégio Estadual Yvone Pimentel, umas das instituições de ensino que migraram para o modelo cívico militar no Paraná.

 


Circular / Divulgação

Brasil de Fato Paraná ouviu, na época, os relatos de famílias com filhos nesses colégios sobre as dificuldades que estavam enfrentando. “Antes fazíamos mais peças nas confecções do bairro, as costureiras, com isso, também perderam trabalho. Agora, as crianças só podem entrar com o uniforme com a etiqueta da Triunfo”, comenta Juliana dos Santos, mãe de uma menina que cursa o sétimo ano do Colégio Estadual Yvone Pimentel.

Juliana relata que a filha tem dificuldades para comparecer à escola com o novo uniforme. “As camisetas são totalmente transparentes, as meninas precisam usar duas camisetas, uma em cima da outra. Além disso, a escola acabou por recomendar que não se lave a blusa e a calça porque só receberam uma peça de cada e não pode ir para o colégio sem esse uniforme. Minha filha, por exemplo, tem o fluxo menstrual forte e para garantir o mínimo de higiene precisa trocar de calça durante a semana. Mas, e agora, como faz? Vai acabar faltando na aula”, diz. 

Empresa investigada

Em 2021, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT) apresentou denúncia ao Ministério Público do Paraná (MP-PR) sobre as irregularidades na aquisição de uniformes para escolas cívico-militares no Paraná. Ele questiona o edital ganho pela Triunfo e aponta que ela é usada como empresa de fachada. O caso é investigado pelo MP-PR desde outubro de 2021.

Segundo a denúncia, a SEED, ao escolher as especificações dos uniformes a serem adquiridos, não se baseou em nenhum modelo conhecido, “mas estranhamente procurou a empresa Nilcatex, que tem os mesmos sócios da Triunfo S.A (que venceu todos os lotes da licitação) para fazer a cotação dos uniformes.”

Além disso, há denúncias de que a empresa tenha sido beneficiada na licitação. “Os sócios da empresa Triunfo são os mesmos da empresa Nilcatex, que está envolvida em vários escândalos de corrupção. Cabendo ressaltar que no endereço da filial da Triunfo S/A em Fazenda Rio Grande, estranhamente, não tem atividade por semanas a fio e dentro do barracão não há nada”, apontou o deputado. O local deveria fabricar 129 mil kits para escolas militarizadas.

Em nota, a SEED, disse que "a empresa Triunfo Comércio e Importação Ltda, que foi a vencedora do Pregão Eletrônico n°111/2021 destinado à aquisição dos uniformes para os Colégios Cívico-Militares (CCM) do Paraná, enfrentou problemas de execução parcial nos contratos. Uma parte dos uniformes escolares (referente a quatro lotes) foi confeccionada em tamanhos diferentes dos especificados no termo de referência. O montante total dos lotes com falhas equivale a cerca de R$ 10 milhões. A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) iniciou um procedimento administrativo devido à inexecução parcial do contrato, resultando na elaboração de um termo de ajustamento de conduta - aprovado pela Procuradoria Geral do Estado. No acordo, em vez de aplicar a multa de 20% sobre o valor total dos lotes descumpridos (equivalente a aproximadamente R$ 2milhões) à empresa, foi acordada a entrega de 33.436 uniformes às escolas (calças e camisas fardas) até o mês de julho. Em caso de não cumprimento do termo, o processo administrativo pode ser retomado.As peças entregues em dimensões diferentes das pactuadas estão sendo redistribuídas gradativamente aos alunos, de acordo com seus tamanhos."

 

 

 

 

 

 

 

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Edição: Pedro Carrano