Rio Grande do Sul

Mulheres na Política

“Apesar dos retrocessos, cresce a força do movimento feminista”, afirma Melchionna

Fernanda Melchionna é deputada federal pelo PSOL e pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre às eleições de 2020

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Melchionna foi a mulher mais votada na última eleição para o Congresso Nacional, com 114.302 votos - Arquivo pessoal

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS) foi a mulher mais votada na última eleição para o Congresso Nacional, com 114.302 votos. Como deputada, ganhou, pelo voto do júri popular, o 18º lugar no Prêmio Congresso em Foco 2019, um dos prêmios mais tradicionais da imprensa brasileira. Natural de Alegrete (RS), é a primeira parlamentar bibliotecária da história da Câmara dos Deputados. Esteve como vereadora de Porto Alegre durante 10 anos. É feminista, ativista social, sendo referência na luta por transporte público de qualidade, moradia digna e popular, defesa do serviço público, defesa da leitura e educação de qualidade e combate aos privilégios dos ricos e dos políticos e a corrupção.

Em 2009, ao comemorar seus 10 anos de mandato como vereadora, subiu na tribuna da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com uma gravata, para dizer que “se a gravata resolvesse os problemas da cidade, eu iria todos os dias de gravata”. O ato foi uma resposta a um projeto de lei que queria determinar a vestimenta das vereadoras. “Um projeto machista e dos desocupados”, disse ela na época. A foto de seu pronunciamento se tornou símbolo da sua luta, ainda necessária, para dizer que: “Política não é para os engravatados”. E que muito resume a atuação de Fernanda na luta social e institucional.

Em seus mais de 10 anos de mandato como vereadora, Fernanda contribuiu para a ampliação de políticas públicas para mulheres e no combate à violência de gênero. Criou o programa de combate ao assédio sexual no transporte público em Porto Alegre e ampliou a licença-paternidade dos servidores públicos municipais, para avançar na redução da desigualdade entre os gêneros no cuidado dos filhos. Luta que continua com os projetos apresentados na Câmara dos Deputados. “As políticas para mulheres devem ser pensadas por nós, mulheres, pois somente nós sabemos os problemas que em geral nos acometem, decorrentes da discriminação de gênero e da desigual divisão sexual do trabalho de nossa sociedade patriarcal”, defende.

Confira a íntegra da entrevista com Fernanda Melchionna para o Especial Mulheres na Política.

Brasil de Fato RS - Para começar gostaria que tu nos contasse um pouco da tua trajetória até chegares na política.

Fernanda Melchionna - Sou bibliotecária de formação e bancária de profissão. Comecei a militar no movimento estudantil, ainda no ensino médio nas lutas contra as privatizações neoliberais do final dos anos 1990 ainda no governo de FHC. Já no movimento estudantil universitário defendi ativamente a educação pública e fui coordenadora do Diretório Central dos Estudantes da minha universidade (UFRGS).

Muito cedo me identifiquei com o feminismo e com a necessidade da organização partidária. Fui filiada ao PT até quando expulsaram os parlamentares Luciana Genro, Babá, João Fontes e a senadora Heloísa Helena por votarem contra a Reforma da Previdência no primeiro ano de governo Lula (2003). Isso já mostrou uma mudança dos rumos do partido. Me senti expulsa também e assim começamos o Partido Socialismo e Liberdade.

Em 2008, a juventude do PSOL decidiu ter uma candidatura à vereança em Porto Alegre. Fui eleita, fazendo parte da primeira bancada do PSOL na Câmara de Vereadores da capital junto com Pedro Ruas. Em 2012 recebi 7.214 votos, sendo a mais votada entre as mulheres eleitas. Em 2016 fui a parlamentar mais votada da cidade, com mais de 14 mil votos. Em 2018 fui eleita com 114.302 votos, a Deputada Federal mulher mais votada no Estado.


"Muito cedo me identifiquei com o feminismo e com a necessidade da organização partidária" / Arquivo pessoal

BdFRS - Após quase 32 anos de Constituição, que Brasil temos hoje, que democracia temos no país?

Fernanda - Nós nunca tivemos, de fato, uma democracia real no Brasil. As nossas leis e a chamada ‘democracia representativa’ sempre foram tuteladas, e seguem sendo, pelo poder econômico que respondem aos interesses privados da classe dominante da nossa época.

É claro que o fenômeno do Bolsonarismo é uma ameaça constante às poucas liberdades democráticas. Infelizmente, e lutaremos para que isso não aconteça.

Mas não podemos deixar de dizer que os direitos da Constituição de 1988, conquistadas com muita mobilização, nunca foram garantidos em sua totalidade ao nosso povo. Ao contrário, o Estado Brasileiro sempre foi um violador de direitos, um mantenedor e reprodutor das desigualdades sociais, da violência, do racismo estrutural - sustentado por um regime político corrupto e apodrecido.

Estamos falando de negação de direitos básicos, inerentes à pessoa humana e essenciais à vida digna, como a educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, moradia - que está sendo mais exposta agora em tempo de pandemia.

Temos um país com 11,3 milhões de analfabetos (IBGE/2018). Quase 13 milhões de desempregados (primeiro trimestre de 2020). Tivemos a retirada recente dos direitos de aposentadoria do povo com a aprovação de mais uma Reforma da Previdência nefasta no Congresso Nacional. Temos um dos índices de Gini mais altos do mundo, o que mostra a alta concentração de renda e desigualdade social. Temos 100 milhões – quase metade da população – que não têm acesso a redes de coleta e tratamento de esgoto e que sobrevivem com R$ 15 por dia e nunca regulamentamos a taxação das grandes fortunas. Ou seja, temos leis sem força de lei, uma democracia tutelada pelos interesses do Capital, em que os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda dos demais 95%.

Mas lógico, que mesmo nossa democracia sendo insuficiente, é melhor que qualquer ditadura e nós seguiremos lutando para construir uma nova institucionalidade, na qual a maioria controle a política e a economia.

BdFRS - Qual o papel da esquerda e dos partidos progressistas nesse período e por que nos últimos anos o campo de esquerda perdeu espaço?

Fernanda - A primeira grande luta hoje é contra a covid-19 e o maior amigo do vírus no Brasil, Jair Messias Bolsonaro. Como medida sanitária é urgente tirar Bolsonaro do poder. Já são mais de 15 mil mortes e uma marcha obscurantista e contra a ciência encabeçado por Bolsonaro. Dois ministros de Saúde caíram em meio a pior pandemia da história recente. A defesa da vida passa por barrar Bolsonaro. Por isso, fomos pioneiros do pedido de impedimento desse criminoso. E, 18 de março ingressei junto com Sâmia Bomfim, David Miranda e Luciana Genro e mais 200 intelectuais e artistas com a peça. Em 13 dias coletamos mais de 1 milhão de assinaturas. O pior erro de um setor da esquerda é esperar o calendário eleitoral como se Bolsonaro no poder não possa se reorganizar e avançar no fechamento do regime.

O bom é que de lá para cá vários partidos também entraram com pedidos de impeachment. É preciso uma ampla unidade de ação entre as forças democráticas e progressistas para derrotar Bolsonaro.

Sobre a perda de espaço da esquerda acho que é preciso localizar o próprio fenômeno do Bolsonarismo na falência do modelo da Nova República e do presidencialismo de coalização. A crise econômica e a adaptação da direção petista ao modus operandi apodrecido do sistema político brasileiro teve suas consequências. Ao não apostar em estar no governo para fazer reformas estruturais, econômicas profundas e de ampliação da democracia, os governos petistas fizeram medidas compensatórias importantes, mas insuficientes.

Governaram com a burguesia (PMDB, PP, PSD) e quando esta não quis mais manter o pacto organizou um golpe parlamentar e expulsou o PT do condomínio do poder. O povo cansado da crise econômica e sem confiar no sistema político comprou gato por lebre e votou num charlatão que se vendeu como antissistema.

Nós que nascemos da ruptura pela esquerda com o PT, quando da expulsão de Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes, crescemos em muitos estados e na própria eleição de 2018, mas um crescimento ainda insuficiente para ser uma nova alternativa apoiada por amplos setores de massas.

Acho que é preciso uma nova esquerda crítica e autocrítica, que combata a traição de classes, que aposte na mobilização como método, que unifique as lutas democráticas com as econômicas. Seguimos nessa luta, assim como fazendo e defendendo unidade de ação contra o Bolsonaro sem perder nossa independência política. Na luta contra a extrema-direita também é importante fortalecer uma esquerda antirregime.

BdFRS - Como reconquistar a democracia? Ainda temos saída? E qual seria? Como uma frente ampla pode contribuir, e se é possível construir essa unidade.

Fernanda - Acho que é uma luta permanente. Em 2019 tivemos nos estudantes e seu tsunami da educação e na luta da turma da cultura contra as censuras as vanguardas da luta democrática. Graças a esses movimentos, Bolsonaro não avançou em seu plano de fechamento do regime de forma mais brutal. É preciso transformar a opção social em oposição política. Aliás, Bolsonaro tem a cada dia perdido mais apoio popular, mas à medida que perde apoio, recrudesce ainda mais a extrema-direita. Derrotá-lo agora é vital.

Assim, acredito que, ao mesmo passo que temos que construir unidade de ação para impedir o avanço dessa escalada autoritária e da agenda obscurantista de Bolsonaro, precisamos empenhar esforços para construir o novo, uma esquerda anticapitalista e coerente, com capacidade de diálogo com as massas, que impulse a auto-organização do povo. Como disse Mario de Andrade “o passado é lição para refletir, não para repetir”.

BdFRS - Ao observarmos a participação das mulheres na política, especificamente nos espaços de poder, vemos que, mesmo com a cota de 30%, não atingimos sequer esse patamar. Estamos praticamente na lanterna no ranking mundial. Ao que na tua opinião se deve isso, sendo que as mulheres são maioria na sociedade e nos movimentos sociais?

Fernanda - A ampliação da representatividade das mulheres na política segue sendo uma das principais bandeiras de luta feminista. Em um país em que a população feminina é de 51,6%, somente a discriminação de gênero, sustentada em uma sociedade patriarcal, explica o fato de ainda sermos sujeito incomum nos espaços de poder.

Além disso, ações afirmativas, como cota mínima de 30% para candidaturas femininas e destinação de 30% do fundo eleitoral, que buscam atacar o problema da baixa representatividade feminina na política, ainda têm suas funções desviadas para cumprir objetivos corruptos.

O Laranjal do PSL, primeiro escândalo do governo Bolsonaro, é um exemplo claro disto. O caso envolvia a fraude de candidaturas femininas para viabilizar desvio de dinheiro público do fundo eleitoral. Isso só mostra como historicamente os direitos das mulheres são negociados por aqueles que operam a política do toma lá, dá cá.

Mas, apesar do Laranjal do ex-partido de Bolsonaro e dos retrocessos que esse governo quer impor hoje aos direitos das mulheres, vimos, nos últimos anos, o crescimento da força do movimento feminista. Isso começou com a Primavera Feminista, em que as mulheres ocuparam as ruas contra o PL 5069, proposto por Eduardo Cunha, que tentava proibir o uso da pílula do dia seguinte e restringir o atendimento às vítimas de violência sexual, passando pela forte Greve Internacional de Mulheres em 2017 até as grandes manifestações #EleNão, no segundo turno das eleições presidenciais, os protestos em defesa da universidade pública, Tsunamis da Educação, as marchas em defesa da Amazônia e as Paradas LGBTs.

Como disse a socióloga Rosana Pinheiro Machado, se a extrema direita venceu, com Bolsonaro no poder, as feministas, antirracistas e LGBTs também. A bancada feminina eleita nas eleições de 2018 foi a maior da história, saltando de 53 para 77 deputadas - o que representa 15% do Congresso Nacional. Mas não basta ser mulher, é preciso defender as lutas das mulheres.

O PSOL elegeu uma bancada federal muito forte e representativa, com novos nomes, como o de nosso mandato, de Áurea Carolina, de Talíria Petrone e de Sâmia Bomfim - reunindo a força dos novos movimentos de renovação protagonizados pelas mulheres e pela negritude. Junto com o mandato de Luiza Erundina, o PSOL forma hoje a única bancada paritária da Câmara.

Obviamente que, comparando esse crescimento de 15% com o 51% da população feminina na sociedade e levando em conta que nem todas as parlamentares defendem as bandeiras do movimento feminista, esse número é muito baixo. Mas é inegável que a Primavera Feminista tenha ocupado a política como uma reação a um Congresso formado apenas por homens, brancos e engravatados. Se a porta da política ainda está em parte fechada para as mulheres, organizadas, tenho certeza que nós iremos derrubá-la.

BdFRS - Qual o papel dos partidos políticos nesse contexto?

Fernanda - As políticas para mulheres devem ser pensadas por nós, mulheres, pois somente nós sabemos os problemas que em geral nos acometem, decorrentes da discriminação de gênero e da desigual divisão sexual do trabalho de nossa sociedade patriarcal.

O PSOL sempre foi um partido que incentivou a participação feminina na política, procurando combater essa realidade da sub-representação não somente no Parlamento, mas também dentro da própria organização partidária. Temos orgulho de ter dentro do partido cotas de 50% para as mulheres, inclusive nos cargos de direção, como parte de uma política de desconstrução de uma cultura machista e de construção do empoderamento das mulheres. Acredito que esse seja um caminho.

As parlamentares eleitas e as feministas militantes do nosso partido político têm influenciado na criação de núcleos, coordenações ou articulações de mulheres, na participação feminina em espaços sindicais, grêmios e diretórios estudantis, associações de bairros, etc. Além disso, é papel do partido costurar junto aos movimentos sociais também a construção de políticas públicas e de leis para tentar reverter essa lógica machista da sociedade.

No último ano, o PSOL apresentou dois projetos importantes para tentar avançar na participação das mulheres na política e combater a desigualdade salarial entre gêneros. A deputada federal Sâmia Bomfim propôs que as vagas na Câmara Federal fossem divididas de forma igual entre homens e mulheres, ou seja, criação de uma cota de 50% para cada gênero, e, através de nosso mandato, apresentamos o projeto que cria o Programa Nacional de Igualdade de Gênero nas relações salariais e de trabalho e o selo “Empresa Machista”, inspirado na lista suja do Trabalho Escravo, para tornar públicos os nomes de empresas que ainda se utilizam dessa prática, prevendo inclusive multa administrativa.

BdFRS - Como se dá e se garante o lugar de fala das mulheres na política? E como a garantia desse espaço contribui para a sociedade?

Fernanda - “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.” Com a frase da Simone de Beauvoir afirmo que somente com a luta política permanente das mulheres, dentro e fora do Parlamento, é que conseguiremos garantir que não haja retrocesso em nossos direitos e poderemos alcançar uma sociedade verdadeiramente igualitária e de justiça social - que só é possível quando houver igualdade de direitos entre homens e mulheres. Como disse Charles Fourier, “o grau de civilização de um povo se mede pelo grau de liberdade da mulher”.

Em uma crise como esta, as mulheres são as mais afetadas, sobretudo as negras e da periferia. Como são as que mais estão na informalidade, sofrem com os baixos salários, com a flexibilidade, com a retirada de direitos. Na pandemia ainda, com o isolamento aumenta a violência doméstica como as pesquisas estão mostrando. Além disso, a maioria dos profissionais da Saúde são mulheres. São elas que estão na ponta, lutando pela vida dos outros, sofrendo com a dor dos pacientes e com a falta de estrutura e de equipamento de proteção individual.


"Em uma crise como esta, as mulheres são as mais afetadas, sobretudo as negras e da periferia" / Arquivo pessoal

BdFRS - Estando lá na Câmara dos Deputados, gostaria que nos falasse um pouco desse dia a dia? Como tu vivencias o machismo nesse espaço?

Fernanda - Nós, mulheres, sentimos o machismo cotidianamente e no Parlamento, que é um espaço majoritariamente dominado por homens, ainda mais. Seja enfrentando as visões e projetos machistas e conservadores, que tentam retroceder em nossos direitos, seja através de expressões e falas que tentam nos intimidar, definir a roupa que devemos vestir e até nos calar.

Lembro do dia em que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, me mandou, literalmente, ficar quieta, e eu retruquei dizendo “Psh, não. Eu sou deputada e exijo respeito”. Também lembro do Dia Internacional das Mulheres, em que um deputado Bolsonarista entregou flores para várias deputadas, e eu agradeci gentilmente, mas disse que “as mulheres não querem flores, querem respeito e direitos”. E as discussões no Plenário sobre o projeto que queria extinguir as cotas de 30% das candidaturas femininas, em que deputados se achavam no direito de dizer que as cotas não eram necessárias, refletindo o caciquismo dos partidos políticos, que querem negar esses importantes instrumentos de ampliação da participação feminina na política.

Além disso, já fui barrada várias vezes na entrada da Câmara, pois não estava vestida com “roupa de deputada”, enquanto vários homens, muitos que nem são deputados, têm acesso mais facilitado à Câmara só por estarem de terno e gravata.

BdFRS - Uma das frentes que tu tens atuado é a defesa do cinema e do audiovisual brasileiros. Como tu analisas o atual momento desse segmento?

Fernanda - O setor da cultura, e especialmente o audiovisual, foi um dos mais atacados, e piorou com a pandemia, por conta do desmonte e pela censura imposta à produção audiovisual promovidos desde o início do governo Bolsonaro e pela inoperância total de proposição de políticas públicas com a nova secretária especial de Cultura, Regina Duarte.

A gente sabe que a censura à arte e à cultura sempre foi prática comum e central dos governos autoritários, que não respeitam a diversidade e a liberdade, que enxergam a arte como “perversão” para uma certa moralidade. E, por isso, para impor sua auto verdade e minar qualquer possibilidade de fomento ao pensamento crítico, ameaçam as obras, a classe artística e as instituições culturais.

O discurso sobre “arte degenerada”, de cunho altamente racista, que o antigo secretário nacional da Cultura, Roberto Alvim, plagiou do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, é um exemplo de uma das piores coisas que esse governo já produziu.

Por conta de uma cruzada ideológica, apoiado em teorias conspiratórias, como a ditadura da ideologia de gênero, ameaças do marxismo cultural, o governo Bolsonaro colocou para funcionar sua “máquina de guerra cultural”, apoiada em muita fakenews, aliado ao estrangulamento financeiro do setor. Houve a transferência do Conselho Superior de Cinema do Ministério da Cidadania para a Casa Civil, que teve o objetivo claro de aumentar a influência do governo sobre decisões do campo cinematográfico e reduzir a participação da sociedade civil, Bolsonaro chegou a afirmar que extinguiria a Ancine se não pudesse colocar ‘filtro intelectual’ no que a agência apoiaria, justamente após atacar produções, como o filme “Bruna Surfistinha”.

Foram permanentes os ataques à Lei Rouanet, teve a censura à estreia de filmes, como Marighella, de Wagner Moura, no Brasil, e a suspensão do edital com projetos pré-selecionados com temáticas raciais e LGBTs.

Além da censura, o orçamento do Fundo Setorial Audiovisual, por exemplo, teve cortes de 43%. Em 2019, o governo deixou de investir mais de R$ 700 milhões no setor de audiovisual, importante para geração de emprego e renda, sendo responsável por 300 mil empregos diretos e que estava crescendo a uma taxa média de 8,8% ao ano (SIAV RS). Mas vale lembrar que, desde 2018, a Ancine não tem feito a liberação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, que é um dos principais financiadores da produção audiovisual no Brasil.

Por outro lado, o governo tem também investido em produção audiovisual a serviço de seu revisionismo histórico, como denunciado pela imprensa em dezembro de 2019. A TV Escola comprou conteúdo de uma produtora chamada Brasil Paralelo, que se dedica a produzir filmes que negam o período da ditadura civil-militar.

Apesar de tudo, confio nas reservas democráticas que têm o Brasil para seguirmos resistindo. Acredito que, para frear o avanço do autoritarismo e da censura à cultura e fazer frente ao estrangulamento financeiro, é importante estabelecer uma forte articulação e mobilização permanente do setor, sendo a criação da Frente Parlamentar em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiro uma iniciativa de destaque. Além disso, na Câmara Federal, sou coautora e tenho pressionado para a aprovação da Lei de Emergência Cultural, que prevê o repasse de R$ 1,2 bilhão para o setor, enquanto vigorar o estado de calamidade pública por conta da pandemia. Tenho também apoiado, através de emendas parlamentares, o fomento à formação de público, à descentralização do cinema e melhoria dos equipamentos públicos no meu estado.

BdFRS - A última pesquisa sobre os hábitos de leitura, na 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro, aponta que o brasileiro lê em média 2,43 livros por ano. E que tem como livro mais lido a Bíblia. Como primeira bibliotecária deputada federal e integrante da Frente do Livro e da Leitura, ao que tu atribuis esse baixo índice de leitura?

Fernanda - São muitos os fatores que influenciam o baixo índice de leitura no Brasil. Mas eu destacaria a crônica desigualdade social do Brasil, que tem como consequência a desigualdade informacional, o descumprimento das diretrizes do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e a inacessibilidade aos livros para a população por conta do alto preço - o que reflete também a herança brasileira de negligência na área e a falta de estímulos para o desenvolvimento econômico do setor.

O Brasil é o 9º país mais desigual do mundo e essa desigualdade se manifesta também na disparidade de acesso a espaços de leitura, como as bibliotecas escolares e comunitárias. O Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, por exemplo, diz que das mais de 6 mil bibliotecas públicas que temos no país, mais da metade ficam entre Sul e Sudeste. Na região Norte, a escassez desse tipo de equipamento cultural é muito grande. E mesmo que o Sul e Sudeste tenham a maior parte dos espaços de leitura, muitas estão sendo fechadas por conta da falta de bibliotecários e de professores, que passaram a ser os mediadores do acesso aos livros nas escolas. Em Porto Alegre, por exemplo, trabalhei exaustivamente para alocar recursos, como vereadora, para a biblioteca comunitária do Arquipélago, mas a prefeitura insiste em querer destruí-la para executar obras de uma ponte sem definir a situação posterior da biblioteca. Não deveríamos aceitar esse tipo de displicência com a cultura e a educação.

Esse ano era o prazo final, de acordo com a Lei 12.244, para que todas as instituições de ensino contassem com bibliotecas e bibliotecários e a meta está muito longe de ser cumprida. No RS, por exemplo, não há concurso público desde a década de 1990 para bibliotecários. Há ainda o desafio de criar a Política Nacional da Leitura e Escrita, que a Lei nº 13.696/2018 exigia que, até o fim do primeiro semestre do ano passado, já estivesse com as diretrizes prontas para a década inteira. Obviamente, isso não aconteceu. Bolsonaro não apenas não criou as diretrizes, como também restringiu a participação da sociedade civil no conselho consultivo.

Por conta de todo esse desmonte, que é histórico, e para fazer frente às investidas autoritárias do governo, que se expressaram nas diversas tentativas de censura de livros ano passado, a exemplo do que aconteceu na Bienal do Rio de Janeiro, refundamos a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita. Nasceu, desta forma, um importante espaço para a articulação e resistência do setor.

Agora na pandemia, por exemplo, o governo não pensou em nenhum tipo de auxílio econômico para o setor editorial e livreiro. Por isso, nosso mandato, juntamente com a bancada do PSOL, propôs a abertura de linhas de crédito pensando nas pequenas e médias livrarias e editoras.

Por fim, eu diria que diante do projeto autoritário de Bolsonaro, que quer acabar com o pensamento crítico e aniquilar a diversidade, e, por isso, ataca a literatura - o que nos lembra a queima de livros de outras épocas, é preciso seguir resistindo. O conhecimento é o único capaz de evitar uma marcha cega das massas rumo à escuridão. O livro, além de ser essencial para o desenvolvimento social e econômico de um país, é também uma arma imprescindível para frear essa escada anti-iluminista na nossa sociedade.


"O conhecimento é o único capaz de evitar uma marcha cega das massas rumo à escuridão" / Arquivo pessoal

BdFRS - Esse ano completou dois anos do assassinato da vereadora Marielle Franco, e do motorista Anderson Gomes, ainda sem resposta. Em pronunciamento, Jair Bolsonaro citou o caso, comparando a sua facada. Como interpretar tal posicionamento?

Fernanda - É comum no governo Bolsonaro criar narrativas falaciosas para desnortear e dispersar a opinião pública para não ter que responder sobre a política concreta, que nesse caso era sobre a sua clara interferência nas investigações em curso da Polícia Federal e das superintendências nos estados - como foi revelado nas declarações de Moro e agora confirmadas no vídeo da reunião ministerial.

E, nós, sabemos que há diversas motivações de Bolsonaro para isso. Desde sua preocupação com os inquéritos no STF sobre um esquema criminoso de propagação de fakenews, que aponta seu filho Carlos Bolsonaro como um dos principais articuladores do gabinete do ódio, passando pela investigação do episódio, parte da apuração do assassinato de Marielle Franco, em que seu nome foi citado por um porteiro do seu condomínio na Barra da Tijuca, até o caso Queiroz, da "rachadinha", que acontecia dentro do gabinete de seu outro filho, Flavio Bolsonaro, e que, de acordo com o Ministério Público do RJ, financiou a construção ilegal de prédios pela milícia usando dinheiro público.

Dessa forma, o governo lança mão de narrativas do tipo #QuemMandouMatarBolsonaro, usando toda força de sua milícia virtual com forte disseminação de fakenews, que têm sido parte central de sua estratégia de comunicação. Isso, inclusive, segue uma lógica militar de produção e combate a um inimigo externo para se postular como o salvador da moral, da ordem e da paz. E, além disso, sabemos que Marielle Franco representa a resistência ao Bolsonarismo e a toda sua política machista, racista, LGBTFóbica e contra os direitos humanos, que Bolsonaro não pode deixar se perpetuar.

Mas nós seguimos lutando, após mais de dois anos do assassinato da nossa companheira, as investigações não chegaram nem aos mandantes e nem tampouco descobriram a motivação do crime. Elucidar as motivações de seu assassinato é não dar um salvo conduto a novos crimes políticos e ao fortalecimento dos tentáculos paramilitares das milícias no Rio de Janeiro e em todo o Brasil – que mostra ligações cada dia mais estreita com a família Bolsonaro.

BdFRS - Desde o impeachment da presidenta Dilma Roussef vimos uma série de reformas que impactam a vida dos brasileiros, especialmente as mulheres e a população negra e originária (indígenas). De que forma esses impactos se apresentam quando falamos em direitos?

Fernanda - As políticas ultraliberais começaram já no mandato da Dilma com Joaquim Levy, se aprofundou drasticamente com o governo golpista de Temer e agora têm requintes de crueldade com Bolsonaro e Guedes.

As mulheres e a população indígena e quilombola foram duramente atacadas pelo governo machista e anti-indigenista de Bolsonaro. A criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao invés de cuidar de políticas públicas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos dessas populações, promoveu uma verdadeira cruzada ideológica contra os direitos das mulheres e uma descontinuidade e paralisia de diversas políticas para enfrentamento à violência de gênero.

Por exemplo, a palavra “gênero” foi excluída por Bolsonaro do projeto Casa Mulher Brasileira, que perdeu também a obrigatoriedade de auxílio público federal no atendimento a vítimas de violência doméstica. Quem não lembra de quando Damares falou “Atenção, é uma nova era no Brasil: meninas vestem rosa e meninos vestem azul!”? O que mostra que o governo escolheu o Brasil como laboratório para impor sua política moralista atrasada, que tenta impor o binarismo biológico para se contrapor ao que eles chamam de ‘ditadura da ideologia de gênero’, o que leva ao silenciamento e aniquilamento da população LGBT em um país que mais violenta e mata essa população no mundo.

O PSOL denunciou, inclusive, o alinhamento da política externa do governo a valores conservadores e obscurantistas - uma vez que, em diferentes resoluções da ONU, o Brasil vetou uso de expressões como gênero, feminismo e saúde reprodutiva da mulher. E destacaria também a aprovação da Reforma da Previdência, que, no início, o governo queria inclusive equiparar a idade mínima entre os gêneros, desconsiderando a tripla jornada de trabalho a que são submetidas as mulheres. E que, no texto final, aprovou que trabalhadoras terão que trabalhar muito mais tempo para ganhar menos, prejudicando ainda mais as mulheres negras e da periferia.

A reforma estabeleceu uma idade mínima de 62 anos para as mulheres com tempo mínimo de contribuição de 15 anos. O valor, porém, será equivalente a 60% da média do valor de referência das contribuições, incluindo inclusive as contribuições menores. Para ter direito ao valor integral, a partir de agora, trabalhadoras deverão contribuir por 40 anos.

Em relação à população indígena, o governo criou um ambiente, através de seu discurso anti-indigenista e de ações de flexibilização de órgãos de proteção e fiscalização ambientais, para extermínio dessa população, expansão do agronegócio e impunidade dos criminosos. São ameaças constantes de revisão das demarcações de terras indígenas, de entregar a Amazônia para os EUA, de legalizar o que, na prática já acontece, atividades econômicas em terras indígenas, como mineração e agricultura.

Não à toa, Bolsonaro demitiu o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, por discordar dos dados sobre desmatamento e tentou, desde o início do ano, transferir a Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e as pastas da Demarcação e licenciamento ambiental para as mãos dos ruralistas, no Ministério da Agricultura. E, até agora, segue nesse curso com a tentativa de aprovar a MP 910, que anistia desmatadores e aumenta a violência no campo, deixando claro que sua política para os indígenas é o genocídio.

Um estudo do Instituto Socioambiental mostrou que a destruição da floresta na Amazônia, em 2019, atingiu 115 terras indígenas e o Estadão mostrou que o desmatamento, por conta da extração ilegal de madeira, na Amazônia, de agosto de 2019 até março deste ano, já é quase o dobro em comparação com o mesmo período anterior. Em tempo de escalada de pandemia, isso é muito mais preocupante, não à toa uma carta encabeçada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, com 500 mil assinaturas, alertou o mundo para o risco de extermínio dessa população.

BdFRS - O mundo todo foi impactado com o coronavírus. No caso brasileiro é correto afirmar que há um interesse maior no quesito econômico em detrimento da saúde quando falamos no comportamento do poder Executivo?

Fernanda - Com certeza. O governo tem privilegiado a todo momento, mesmo antes da pandemia, os interesses dos grandes empresários, dos bilionários, do sistema financeiro em detrimento da saúde, da renda, da aposentadoria e dos direitos dos trabalhadores. Não é à toa que uma das primeiras medidas aprovadas no Congresso Nacional, por conta da pandemia, foi a destinação de R$ 1,2 trilhão de reais para dar liquidez aos 150 bancos brasileiros, que representa 16,7% do PIB, enquanto que o valor total gasto com o auxílio emergencial, tão necessário para os informais, trabalhadores autônomos, mães chefes de família, é de R$ 59,9 bilhões (0,8% do PIB), beneficiando um universo de 30,5 milhões de pessoas.

Enquanto diversos países do mundo combatem o coronavírus seguindo uma lógica de guerra, tomando medidas emergenciais com a ampliação do Estado - como na Espanha, que se estatizou hospitais privados, o Reino Unido, que suspendeu pagamentos de hipotecas por três meses para pessoas com dificuldades financeiras, o Canadá, que concedeu aumento salarial para trabalhadores essenciais, El Salvador, que suspendeu o pagamento de contas de água, luz, telefone e internet, além de aluguéis, empréstimos e hipotecas - , o Brasil segue aplicando sua cartilha ultraliberal e antipovo. Vale lembrar que, até o momento, o auxílio emergencial só foi pago a 46 milhões de pessoas e que o calendário de pagamento da segunda parcela recem foi divulgado. As pessoas estão arriscando suas vidas e estão tendo que escolher entre contrair coronavírus e morrer de fome.

Além disso, os recursos, aprovados pelo Congresso Nacional, de socorro aos estados e municípios, foram reduzidos em R$ 23 bilhões e o governo ainda incluiu como contrapartida o congelamento de salário por 18 meses de diversas categorias do funcionalismo público (com exceção de servidores da Saúde), proibição de progressão de carreira e de aumento de despesa obrigatória, inclusive recursos para saúde, educação e assistência.

Qual país do mundo congela investimento social em tempo de pandemia? Havíamos aprovado na Câmara a ampliação do auxílio emergencial para diversos setores e excluído do congelamento categorias como professores - ambos vetados por Bolsonaro. O governo também chegou a anunciar planos de privatização de um grande complexo de hospitais, o Grupo Hospitalar Conceição, no RS, que é referência no combate a covid-19.

Nessa crise, 1,5 milhão de trabalhadores formais já pediram seguro-desemprego e 7 milhões tiveram sua jornada reduzida ou suspensa. Essa política de austeridade de corte de gastos públicos, de reformas estruturais e de privatização, ainda mais em tempo de pandemia, vai levar o país ao colapso social e aprofundamento da desigualdade social. Enquanto eles dizem que esse é um momento que pede sacrifício de todos: a verdade é que eles querem socializar os prejuízos e privatizar os lucros.

BdFRS - Que país tu esperas vir surgir após a pandemia?

Fernanda - O coronavírus acabou expondo ainda mais as contradições do sistema capitalista, que coloca o lucro acima das vidas das pessoas. No Brasil, a primeira morte confirmada foi de uma empregada doméstica que contraiu o vírus da patroa. Nos Estados Unidos, o país mais atingido pela pandemia até agora, o maior número de mortes é de pobres e negros. É um vírus que, assim como todos os outros, pode contaminar qualquer um, mas que é muito mais pesado com quem é vítima da miséria.

Tenho dito, então, que, se o mundo não será mais o mesmo depois da pandemia, cabe a nós construir uma saída em que a humanidade esteja em primeiro lugar. Como disse a jornalista Eliane Brum em artigo recente: “o capitalismo já nos roubou o presente, não podemos permitir que nos roube também o futuro”.

Espero que fique muito claro para todo o mundo que Saúde Pública não é um gasto e que os servidores públicos, como os da Saúde, que estão arriscando suas vidas, não são vagabundos ou os “problemas do Brasil” como esse governo tem pregado. Espero também que se lute muito para que a Ciência seja valorizada no Brasil e não tratada como um inimigo, como Weintraub e o governo andam fazendo, cortando inclusive bolsas de estudo da Capes e do CNPq em plena pandemia.

Precisamos repensar urgentemente essa lógica neoliberal disseminada do “empreendedor de si mesmo”, que na prática é uma desculpa para que os empresários concentrem a riqueza gerada pelo trabalho sem respeitar condições mínimas de proteção social. Quando os empresários dizem que o Brasil não pode parar, eles estão assumindo aquilo que a gente prega há muito tempo, de que é o trabalhador que gera a riqueza.

Nós temos 206 bilionários no país, ou seja, 5% da população, que controla 95% de toda a riqueza nacional. Com a pandemia, o Brasil, que eles diziam que estava quebrado, conseguiu conquistar, com a pressão social, dinheiro da Renda Básica emergencial, mas, contraditoriamente, muito mais recursos, aproximadamente R$1 trilhão, para os bancos. Isso precisa ser combatido.

O capitalismo já colocava em risco o futuro do planeta. O aquecimento global não é uma brincadeira, mas uma possibilidade real de a nossa ganância acabar com a vida no mundo, seguindo uma lógica de que tudo é ativo financeiro. Nas últimas décadas, o sistema estimulou o surgimento de bilionários que têm mais riqueza do que muitas nações. Precisamos defender que o dinheiro seja destinado para quem precisa, por isso defendemos taxação das grandes fortunas para que os ricos paguem pela crise. A defesa da vida acima do lucro, defesa e valorização do SUS e dos trabalhadores da Saúde também.

Não podemos voltar à “normalidade” insustentável que temos hoje. E essa mudança só virá com a nossa auto-organização e com a solidariedade sendo colocada como um eixo central de atuação. Nós precisamos de uma saída que não seja individualista e que tenha as mulheres, a juventude, os trabalhadores, as negras e negros e os LGBTs como protagonistas no controle da política e da economia e que as dirijam para o interesse coletivo.

O Brasil tem potencial para ajudar a resolver os problemas de muitos outros países e das próximas gerações, mas isso só pode ser feito com a luta do presente. Derrotar Bolsonaro é a nossa tarefa mais urgente agora. Se essa crise definirá os nossos novos líderes e as prioridades dessa geração, como apontou o jornalista Jamil Chade, cabe a nós lutar para construir um novo futuro, impulsionado por uma nova alternativa de esquerda, autocrítica, coerente, que ajude na auto-organização popular.

BdFRS - Como pré-candidata do PSOL à Prefeitura de Porto Alegre que cidade hoje temos? E que cidade pretendes construir?

Fernanda - Como vereadora de Porto Alegre, durante 10 anos, pude acompanhar de perto todos os problemas da cidade. Infelizmente, hoje, após 4 anos de gestão do prefeito Nelson Marchezan, temos uma cidade abandonada, de desmonte dos serviços públicos e de demonização dos servidores, principalmente da Saúde, da Assistência Social e da Educação, com sucateamento dos equipamentos culturais, com graves problemas de segurança pública e, consequentemente, de aumento da violência para as mulheres e para as LGBTs. Temos uma cidade que entregou seus espaços públicos para a privatização e que viu aumentar sua população de rua.

Por isso, desde que aceitei o desafio de ser pré-candidata à Prefeitura, tenho dito que é preciso construir um programa junto aos movimentos sociais e os bairros para “devolver a cidade ao povo”. Quero percorrer Porto Alegre, dialogar com a população para fortalecer uma alternativa de luta contra Marchezan e o Bolsonarismo.

Nós queremos construir uma Prefeitura plebleia, insurgente, que chame o povo a decidir junto, que radicalize a democracia, que revogue todo o pacote de maldades de Marchezan, que se apoie e valorize os servidores públicos e que seja uma trincheira de luta nacional de enfrentamento ao governo Bolsonaro.

Acredito que o processo eleitoral em Porto Alegre será parte dessa luta política, afinal é nos municípios que as consequências dessa agenda ultraliberal, autoritária e contra os trabalhadores é sentida pela população. Desemprego, explosão da informalidade, falta de professores nas escolas, crescimento do feminicídio e fechamento de postos de saúde são só alguns exemplos.


"Temos uma cidade que entregou seus espaços públicos para a privatização e que viu aumentar sua população de rua" / Arquivo pessoal

BdFRS - Por último, que livros estás lendo?

Fernanda - Estou lendo a biografia de Rosa Luxemburgo, escrita por Paul Frölich em 1939 e publicada no Brasil em edição de 2019 pela Boitempo. É muito legal, pois a Rosa foi uma revolucionária muito importante que trouxe muitas contribuições para a teoria marxista. Ela é muito conhecida por ter feito a polêmica com Eduard Bernstein e com os reformistas do Partido Social Democrata Alemão quando ela escreveu o famoso texto “Reforma ou Revolução”, e além disso escreveu muitos textos econômicos.

O Frölich consegue sintetizar momentos históricos de muita polêmica de maneira curta e didática e ao mesmo tempo apresentar a personalidade dessa militante, ativista e teórica e amante das artes que eu admiro muito. Rosa aparentemente tinha uma generosidade muito grande diante das necessidades da classe trabalhadora, mas também da construção de um novo mundo. Recomendo muito esse livro.


fontes:

https://www.cartacapital.com.br/blogs/coronavirus-escancaramento-da-realidade-urbana-e-saidas-possiveis/

https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/05/06/metade-dos-brasileiros-sobrevive-com-menos-de-r-15-por-dia-aponta-ibge.htm

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/01/20/concentracao-de-renda-sobe-e-bolsonaro-aprofunda-desigualdade-diz-oxfam.htm

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/entenda-o-interesse-de-bolsonaro-na-troca-do-chefe-da-superintendencia-da-pf-no-rio.shtml

Edição: Katia Marko