Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | A importância da esperança na pandemia: da caixa de Pandora à Neurobiologia

Esperança fala de itinerários: rotas para alcançar objetivos, com objetivo dirigido, intenção e persistência

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Esperança não é esperar, é caminhar! É uma disposição antropológica que sustenta o desejo de caminhar" - Foto: Alex Pazuello

“Quando não houver Esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver Esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança
Enquanto houver sol
Ainda haverá …”
(Titãs - Enquanto houver)

Escolhi falar de esperança, tema que sempre me sensibiliza, de modo especial agora diante do enorme desafio de estarmos em meio a uma pandemia. A palavra esperança é um conceito, um construto psicológico que se manifesta em maneiras de ser, estar e agir no mundo. Traduz-se em modos de vida. Estar cheio de esperança implica também agir para que o que é esperado se efetive.

Esperança não é esperar, é caminhar! É uma disposição antropológica que sustenta o desejo de caminhar.

Prometeu demorou mais tempo, moldando o homem do barro e da água. Quando terminou, ele roubou o fogo dos deuses e entregou aos homens para lhes oferecer proteção. Prometeu foi punido pelo seu ato de roubar o fogo.

A seguir, Zeus criou a primeira mulher. Chamou-a de Pandora. Ela recebeu diversos dons como sabedoria, beleza, bondade, paz, generosidade, saúde. Prometeu ficou encantado com a beleza de Pandora. O titã quis casar com ela de qualquer maneira. Como presente de casamento, Zeus deu a Pandora uma caixa, mas advertiu-a de que nunca poderia abri-la.

Pandora, depois de muito resistir, sucumbiu ao desejo de abrir o presente. Coisas ruins saíram da caixa: a ganância, a inveja, o ódio, a fome, a dor, a doença, a pobreza, a guerra e a morte. Pandora rapidamente fechou a caixa, deixando apenas uma coisa lá dentro. Então escutou uma voz chamando de dentro da caixa, suplicando para ser solta. Pandora abriu novamente a caixa. O que havia lá dentro era a esperança, que voou da caixa, tocando as feridas criadas pelos males e curando-as.

Embora Pandora tenha liberado dor e sofrimento no mundo, também permitiu que a esperança surgisse na humanidade. Daí o famoso ditado: “A Esperança é a última que morre”.

Esperança é uma condição para que o encontro futuro seja uma novidade, na medida em que existe uma projeção, uma espera, um movimento de busca que motiva o caminhar humano. Leva o homem para além das suas capacidades de realização. Quem não espera, não está aberto ao encontro, pois suas certezas são o suficiente para explicar o mundo.

Com o exercício, a esperança se fortalece. Na medida em que as possibilidades são percebidas pelos seres humanos, ocorre uma mudança significativa na maneira pela qual olha para si mesmo e para os outros.

Trata-se de uma das virtudes mais combatidas pela sociedade pós-moderna com a objetificação das relações e a imediatez dos resultados, levando-nos, cada vez mais, para uma supervalorização do agora, deixando o incompreensível e o mistério da busca contínua totalmente de lado. Pode tornar-se cada vez mais frágil, às vezes nos deixando estagnados em problemas sem importância, superficiais e atrofiando nossa capacidade de sonhar.

Neste sentido, a humanidade, diante da pandemia da covid-19, encontra-se em um dilema. É possível manter a esperança em meio a tantos mortos e doentes, frente a um vírus desconhecido e assustador que permeia as relações afetivas e desafia nossa existência e nossos valores na modernidade líquida?

Sim, é possível! E absolutamente necessário!

"Vivemos esperando dias melhores,
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás
Vivemos esperando dias em que seremos
Melhores
Melhores no amor,
Melhores na dor,
Melhores em tudo
Vivemos esperando dias em que
Seremos para sempre
Vivemos esperando
Dias melhores pra sempre"
(Jota Quest- Dias Melhores)

A pessoa que perde a esperança perde a si mesma, porque a esperança pertence à sua essência. O viver tem a esperança de ser. O suicídio é a vitória da dor sobre a esperança. A verdadeira esperança é aquela que acalanta sem enganar, que motiva sem iludir, que se apoia em bases sólidas, construídas pela responsabilidade.

A pandemia da covid-19 tem sido um laboratório de experiências de dor, mas também da resiliência e do emergir da esperança. Sem a esperança, não há possibilidade de atravessar esse momento, adotar as duras medidas sanitárias instituídas, como o isolamento, o distanciamento, o uso de máscaras. Sem esperança não é possível cruzar esse período de privação da socialização, tão fundamental para a existência humana.

É diferente de otimismo, que, tal qual a esperança, também é um construto psicológico. Otimismo é a disposição para encarar as coisas pelo lado positivo e esperar sempre um desfecho favorável, mesmo em situações muito difíceis. O otimista é o que sai sem guarda-chuva, mesmo em dia nublado.

Esperança, por sua vez, fala de itinerários: rotas para alcançar objetivos, com objetivo dirigido, intenção e persistência.

Recentes estudos da Neurobiologia apontam que a Esperança ativa o córtex orbitofrontal, especialmente em sua porção ventral, facilitando a resolução de problemas. A esperança tem um papel na mediação da ligação da ansiedade com o córtex orbitofrontal.

Portanto, quanto maior é a esperança, menor é a ansiedade e o medo. O que era antes um conceito filosófico-existencial, agora tem base neurobiológica solidamente estabelecida.

Esperança gera frustração? Temos medo de ter Esperança? Talvez. Cultivar a Esperança é “condição de possibilidade“ para que um mundo melhor aconteça, e para compartilharmos todos da mesma incompreensível natureza: sermos humanos.

Hope is an important tool Don’t be afraid to use it

(Esperança é uma importante ferramenta Não tenha medo de usá-la)

 * Gilmara Bueno é médica psiquiatra, autora de “O Impacto da COVD-19: O que aprender com a Pandemia?”, em parceria com Elisa Fasolin Neto.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


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Edição: Marcelo Ferreira