Rio Grande do Sul

DIA DO VOLUNTARIADO

Artigo | As ações voluntárias é que melhoram o mundo

O programa Senge Solidário estimula o despertar a consciência social para vinculá-la às demandas da sociedade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Dia 28 de agosto comemora-se o Dia Nacional do Voluntariado - Foto: rawpixel.com / Freepik

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

— Eduardo Galeano

Há mais de 200 anos, vivemos num mundo capitalista. O capitalismo e a reação a ele nasceram juntas, na revolução industrial, conforme o saudoso sociólogo Antônio Cândido. É indescritível, dizia ele, o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. E por que não é mais assim? Coisas que hoje são comuns, normais, não foram benesses dos contratantes, foram conquistas.

A face humana do capitalismo, dizia o sociólogo, foi arrancada dele com suor, lágrimas, greves e sangue. O que lembra o dia 8 de março, por exemplo? Daí, nasceram os sindicatos. Nasceram para organizar os trabalhadores para defesa de seus direitos, ter vida mais digna e lutar para que todo homem viva a igualdade, sem ser explorado. Nessas conquistas, a ação coletiva e a solidariedade sempre andam juntas.

É, pois, ação primordial do sindicato, seu princípio básico, atuar no coletivo, de forma solidária e a única remuneração que recebem os que lutam nos sindicatos é a satisfação de conquistar o bem viver para todos. Este trabalho, repito, coletivo e solidário, é também voluntário, conduzido pela consciência social.

Quando alguém sai de casa com a disposição de trabalhar gratuitamente por uma causa comum, para o bem coletivo, está trabalhando voluntariamente e solidariamente. Sai com o fim de trabalhar por uma causa, que não lhe dá nenhuma remuneração, não lhe devolve nenhuma vantagem pessoal, simplesmente conduzido pela consciência cívica e social da conquista de dias melhores para todos. Isso é o voluntariado. Está no cerne da ação sindical.

Quando o Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul vai além, cria um programa para incentivar as engenheiras e os engenheiros a sair de casa, sair de si, e sentir a desigualdade que debela a vida de nossa sociedade, não só atende uma demanda de seu presidente, que alerta que a entidade deve atuar, também, em favor das minorias. Mas evoca sua vocação primeira de lutar pelo bem comum e a justiça social e impulsiona seus quadros à ação solidária e voluntária, no contexto em que a entidade está inserida.

O voluntariado que o programa Senge Solidário estimula é o mesmo do princípio básico da essência do sindicato, despertar a consciência social e vinculá-la às demandas da sociedade. Desde março de 2021, do ano passado, o programa vem se organizando, cadastrando voluntários, recebendo demandas, analisando-as e articulando a vontade de trabalhar dos inscritos com as entidades e comunidades demandantes. Nesse tempo, os voluntários do programa já prestaram apoio técnico a dez entidades, está atuando em outras oito, com projetos, laudos e orientações técnicas, hortas comunitárias, internet solidária e discute alternativas. Estuda e aguarda condições de atendimento a outras oito demandas.

Inseridos nas realidades dessas comunidades, os voluntários vivenciam que não é só apoio técnico que as pessoas precisam. A maioria das vezes as atividades esbarram na falta de recursos, carecem de embasamento legal, instrumentos e preceitos de normas municipais e estaduais, que têm sentido em si, mas atalham  a satisfação imediata das necessidades. Mas as pessoas têm pressa. A fome, o abrigo do frio, a necessidade de trabalho têm pressa.

É óbvio que os pobres ocupam terrenos e casas desocupadas, irregularmente. Buscam energia e água da maneira possível, uma vez que o Estado, que deveria prover, não o faz. Qualquer um de nós faria o mesmo, em circunstâncias tais. A irregularidade legal faz parte da sobrevivência das pessoas, e não é uma nem duas, o percentual é grande e tende aumentar.

Aí, é aí que o voluntário sente na carne o que é a vida irregular, a vida provisória, que também se chama vida, que se estende e se estende, no tempo e no espaço. É a provisoriedade definitiva, a vida precária como coisa normal.

Aí, exatamente aí, ausente o Estado, que se aprende que a solidariedade e o voluntariado existem mesmo é lá onde os sobreviventes dividem entre si o pouco que tem, o tempo todo. É lá que se aprende a ser voluntário.

E são muitos, são tantos que vivem sem não ter com quem contar. A notícia é que 33,5 milhões passam fome, uma multidão de milhões não tem onde morar, outra ainda maior não tem como trabalhar, neste país, submetido ao capitalismo internacional, agora financista, que não lhe interessa mais gerar alguma produção, mas, somente e mais que tudo, acumular renda.

“É preciso (re)construir perspectivas concretas de mudanças, que possam incidir sobre a vida das pessoas que hoje estão com fome, com frio, sem trabalho ", diz a nossa juíza do trabalho Valdete Severo. As redes sociais, lembra ela, têm desempenhado esse triste papel: “encapsulam sujeitos em espaços virtuais, nos quais apenas suas próprias convicções são reforçadas”. Precisam sair de casa, sair de si, olhar para os lados e enxergar a triste realidade, despir-se do medo e do conforto, e enxergar. E ir. É uma atitude cristã, é uma postura cidadã, é uma exigência ética.

Na formatura prestamos um juramento, me disse o colega Marco Aurélio Fleytas, conta comigo. Se referia, sem citar, à responsabilidade social da Engenharia. Esta responsabilidade social é a da importância da Engenharia para a sociedade, em tudo há Engenharia, pouco se faz sem ela. O que propõe o programa Senge Solidário é que mais e mais voluntários tratem de propiciar os benefícios da Engenharia a quem vive alijado dela. Muita gente está.

Precisamos resgatar nossos de sonhos de uma vida digna para todos. Precisamos nos nutrir dessa utopia, mesmo que o horizonte que perseguimos seja inacessível. É um desafio para quem vive minimamente conectado à realidade do país e tem responsabilidade social.

Vem, vamos. Há tantos precisando de nós.

* Engenheiro civil, bacharel em Filosofia, coordenador do programa Senge Solidário do Sindicato do Engenheiros no RS

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira