Rio Grande do Sul

Eleições 2022

"Bolsonaro só produziu o mal, só afundou o país, só enterrou as pessoas”, afirma Stela Farias

Duas vezes prefeita de Alvorada, deputada estadual eleita para seu quinto mandato avalia a situação política do país

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Para nós mulheres do campo progressista, o desafio é muito maior.  É muito mais difícil, mais exigente" - Foto: Clara Aguiar

Mãe, avó e professora, Stela Farias se encaminha para o seu quinto mandato como deputada estadual reeleita pelo PT/RS. Professora de História e pós-graduada em Gestão Pública, a parlamentar foi vereadora, prefeita duas vezes de Alvorada, cidade da Região Metropolitana e com cerca de 212.352 habitantes. Também foi secretária da Administração no governo de Tarso Genro. 

Na Assembleia Legislativa criou a Procuradoria Especial da Mulher para receber, acolher e proteger mulheres vítimas de violência, aprovou leis para dar transparência ao trabalho da Segurança Pública, criou a Política Estadual dos Cuidados Paliativos e foi a primeira mulher a liderar a Bancada do PT. Em sua atuação política destacou-se também na prestação de serviços públicos de qualidade e na luta contra a privatização da CEEE, CRM e Sulgás. 

Encaminhando-se para seu quinto mandato no Legislativo estadual, Stela destaca, entre os projetos no novo mandato, a questão da economia solidária. “Temos que buscar alternativas rapidamente, porque as pessoas têm fome agora, as pessoas têm necessidades reais agora, para a subsistência.” 

Abaixo a entrevista completa

Brasil de Fato RS - Qual a sua expectativa com a nova bancada da Assembleia Legislativa?

Stela Farias - O campo democrático popular, o campo à esquerda, ele se fortalece. Fizemos cálculos e ele pode chegar até 18 deputados e deputadas de todo um espectro do campo que vai da nossa esquerda, desde o PSOL até o PDT. A expectativa é que tenhamos mais condição de trabalho. De fazer um trabalho, eu diria, marcadamente mais de esquerda a partir de uma bancada desse tamanho. 

Nós temos hoje uma qualidade interessante. Tu tens o mix da étnica racial, a questão da negritude é fundamental. Nós termos aqui na Assembleia, repetindo também o que aconteceu na Câmara de Vereadores, foi fantástico. Trazer três vereadores da Câmara, o Matheus, a Laura e a Bruna, é uma coisa fantástica. E ao mesmo tempo que são negros, são jovens, periféricos. Há uma renovação de bancada da juventude. 

Por outro lado, traz um veterano como Miguel Rossetto que também era um nome que alguns temiam que pudesse não entrar, e o Miguel entra e não prejudica a sua parceira de grupo que é a Sofia Cavedon, uma deputada também que nos orgulha por demais, tem um trabalho excelente, dedicado, comprometido. Temos Leonel Radde que foi uma grata surpresa, forte candidato e que vem também com toda esta batida da juventude e do antifascismo. 

Estamos com uma bancada hoje, se olhar só pelo aspecto do partido, muito boa. Nós nos fortalecemos bastante. Nós (PT) saímos de nove para 11 representantes.

E depois, no cômputo geral, tu vais para o espectro do PCdoB com a Bruna, mais o Matheus do PSOL, isso nos deixa muito contente. Saímos fortalecidos. Demos uma chacoalhada boa, e fizemos um bom equilíbrio entre a juventude nova que está chegando que vem com a sua experiência da Câmara, e nós, os mais veteranos, como eu, a Sofia, Pepe Vargas, Jeferson Fernandes.

BdFRS - Uma coisa que observamos foi o percentual de mulheres. Inevitável falarmos que aumentou somente uma mulher a mais na Assembleia. De 10 mulheres passou para 11. Como podemos superar e ampliar a participação das mulheres nos espaços de poder?

Stela - Essa temática que envolve a representação feminina, que para nós, tomara que sempre seja feminista, é um desafio enorme. Não é só um desafio para o PT, é um desafio para os partidos como um todo. 

Eu acho que para nós do campo de esquerda é mais difícil ainda. Vemos muito nos partidos da direita, a mulher do fulano eleita, a filha do fulano eleita, a irmã do fulano eleita, não é?  Aqui, na Assembleia, por exemplo, vamos pegar as Bayer, elas elegem as irmãs. A primeira Bayer (Liziane), do partido Republicanos foi para federal em 2018, e agora elegeu a segunda, Francine que foi para federal, e elegeu a terceira, Eliana, para a Assembleia. 

Como é que elas conseguem transitar? É um modo operante diferente do nosso. Nós mulheres do campo de esquerda, via de regra, temos que vir com uma base social forte. Um trabalho social forte. Seja ele ligado a questão estudantil, à sindicato, ao movimento popular social, seja o que for.  

Temos, eu diria, alguns preceitos, alguns tipos de códigos que não ferimos para ser eleita

No meu caso, por exemplo, estou indo para o quinto mandato, dado a um momento histórico. Lá no final da década de 1990 início da década dos anos 2000, quando eu sou eleita e reeleita prefeita de uma cidade que é uma das mais periféricas do nosso país, Alvorada, que fica apenas 17 km do centro de Porto Alegre e que depende, estrategicamente, desde a sua alimentação, do seu emprego, de Porto Alegre. Uma cidade dormitório. 

Para nós mulheres do campo progressista, o desafio é muito maior. É muito mais difícil, mais exigente. Temos, eu diria, alguns preceitos, alguns tipos de códigos que não ferimos para ser eleita. E que na minha opinião, em outros partidos as coisas são mais “naturalizadas”. Isso é um elemento. 

O outro elemento é, ainda que o partido faça investimento financeiro, porque agora é exigido, as cotas nos exigem, ainda assim não há um investimento real do ponto de vista das condições para que essa mesma mulher tenha para militar que o homem. Não é a mesma coisa. Uma mulher tem dificuldades para militar, especialmente uma mulher chefe de família, uma mulher periférica. Veja o caso da Laura, por exemplo, uma jovem mãe. A Bruna também. São jovens que deram muito duro lá dentro da sua comunidade periférica e de lá se sobressaem como lideranças, dado a sua necessidade de luta, mesmo social e política. Por dentro das organizações estudantis e etc. 


"Nós nos fortalecemos bastante", avalia Stela Farias / Foto: Agência de Notícias da AL

Para nós, ainda é muito difícil do que mulheres que são do chamado centro direita da política

BdFRS - Quais são as pautas prioritárias para a Assembleia neste próximo ano?  

Stela - Depende muito de quem vai ser eleito, não é? Eu penso que os projetos do Leite e do Onyx não se diferenciam muito. Se diferenciam mais do ponto de vista dos costumes, do ponto de vista cultural. 

Não quero aqui ficar parecendo que eu estou apoiando A ou B, mas me assusta por demais, é desesperador imaginar que possamos vir a ter o Estado nas mãos de um candidato como o Onyx Lorenzoni, que faz questão de ser a cópia xerográfica do Bolsonaro. Ele se coloca como a linha, a continuidade desse projeto aqui no Rio Grande do Sul. Eu acho isso terrível. Isso me preocupa muito mais do que o outro candidato. Não que eu ache que ele merecesse o nosso apoio, mas na verdade ele é um candidato que é o antibolsonarismo, o antifascismo. Pelo menos ele tem resquícios nesse sentido. 

A depender de quem for eleito, nós teremos pouco ou nenhum diálogo. É disso que se trata e dentro dessa perspectiva é que nós vamos ter que caminhar. 

Eles têm uma linguagem, um compromisso com o mercado. Uma linguagem, um compromisso com o neoliberalismo muito comum. Não há muita diferenciação. Teremos uma luta grande em defesa do serviço público, da qualidade de serviço público, da manutenção do serviço público. 

Veja, nós estamos na penúltima semana da campanha, e eles não se acanham de apresentar a agenda da PEC 32. O Lira apresenta no Congresso Nacional, que nada mais nada menos é o fim do serviço público em âmbito nacional, uma vez que ela mexe profundamente com carreiras, carga horária, diminui salários, a possibilidade de novos concursos públicos. E autoriza o poder público, seja ele na esfera municipal, estadual ou nacional, para a contratação, por exemplo, emergencial, precarizada e mesmo de CCs. É uma PEC que vem para extinguir, ser a batida mortal no serviço público. 

Por que defendemos tanto serviço público? Exatamente porque a população que nós defendemos, que é mais de 90% da população brasileira, depende do serviço público, da saúde, da educação pública, da segurança pública, da assistência social pública. Depende desse serviço, depende do Estado em última instância. As classes médias, médias altas, elas não dependem do Estado. Elas de alguma forma se organizam das melhores formas possíveis e não dependem disso.

Esta é a grande preocupação que tenho. Estamos vislumbrando que eles vão tentar trazer para o estado. E se nós não conseguirmos barrar no espectro nacional com Lula, dificilmente vamos barrar isso nacionalmente e, portanto, vai chegar em todo o país. Um debate de esfera nacional, mas que obviamente traz consequências diretas na esfera municipal, estadual. E, portanto, como deputada estadual, tenho essa grande preocupação. 

BdFRS - E dentro disso, os teus projetos?

Stela - Sempre fui uma deputada voltada a temas que alguns diziam que não dava muito voto, que é a temática indígena, a temática das periferias, do povo mais periférico, a temática dos moradores de rua. Enfim, desta população mais desvalida. Que não tem voz, que não tem voto. Cada vez estou mais envolvida com essa temática. Envolvida no sentido de buscar alternativas. 

Temos hoje uma caminhada firme dentro da questão da saúde mental com o propósito de atender e acolher todo aquele usuário da saúde mental que precisa desta atenção para poder se ressignificar, conviver, ter esse espaço de reconhecimento como indivíduo, como um ser humano. 

Também a temática da economia solidária. Estou cada vez mais convencida de que a economia solidária é uma alternativa real de vida, especialmente nesse mundo que estamos vivendo. Que é um mundo que virou de cabeça para cima, não é? Que não há mais a regulamentação das leis trabalhistas, não há mais direitos trabalhistas. Quer dizer, isso tudo teremos que reconquistar com a vitória de Lula, mas a gente sabe que também será toda uma caminhada que não será fácil. 

Estou cada vez mais convencida de que a economia solidária é uma alternativa real de vida, especialmente nesse mundo que estamos vivendo

Temos que buscar alternativas rapidamente, porque as pessoas têm fome agora, as pessoas têm necessidades reais agora para a subsistência. Tem que se criar alternativas reais para que as pessoas possam buscar algum tipo de sustento até que o país, o Estado brasileiro se reorganize mais uma vez e possa dar uma tranquilidade. Então a temática da saúde mental, a temática da geração de trabalho e renda muito através da economia solidária, de uma alternativa, uma outra economia possível. Ela faz a tônica do meu trabalho. 

E também tem outros temas. A temática da questão feminista, a causa das mulheres, a causa das jovens mulheres. A causa de podermos andar sem medo nas ruas, livremente e ter segurança. Não só segurança pública, mas segurança social. O debate da temática das violências contra as mulheres, não só as físicas como as psíquicas. Também a questão do trabalho e da renda. Lula disse recentemente que ele vai garantir que nós, mulheres, tenhamos, para as mesmas tarefas que os homens, o mesmo salário, é um avanço civilizatório isso acontecer no Brasil. 

Essas são pautas que me envolvem e que eu deverei cada vez mais estar promovendo também por dentro do meu mandato um espaço de crescimento dessas pautas. 

Temos que buscar alternativas rapidamente, porque as pessoas têm fome agora, as pessoas têm necessidades reais agora para a subsistência

BdFRS - Durante a campanha, você assumiu um compromisso com os movimentos populares que compõem a Economia de Francisco e Clara*, no Brasil, rumo a agenda nacional de defesa do povo de uma política conectada, necessidades reais da população e comprometida com uma economia a serviço da vida. Como tu pretendes levar adiante esse debate no estado? 

Stela - Primeiramente, colocando os mandatos à disposição como ferramenta para as entidades que compõe a Economia de Francisco e Clara. Temos tido uma relação forte com as entidades, inclusive parceiras e amigas e companheiras, nessa perspectiva. 

Colocamos o mandato à disposição também porque ela é uma construção de que uma outra economia é possível. Essa é outra economia que respeite, acima de tudo, o ser humano e não o mercado. Ela é uma economia necessária e ela passa por um processo educativo onde a nossa própria comunidade precisa se permitir, se educar. 

Então, quero fazer do mandato uma ferramenta que possa contribuir nesta caminhada. Esse foi o princípio de eu ter firmado a assinatura no documento, ainda na campanha eleitoral. 

BdFRS- Qual é, na tua opinião, a importância da eleição no Brasil para a América Latina e para o mundo? 

Stela - Eu te confesso que eu não tenho nem conseguido acompanhar em virtude de que esse ano, para mim foi muito atípico. Eu estava fora da Assembleia, era primeira suplente, e aí eu retomo o mandato em março e já entramos no que a gente chama de pré-campanha eleitoral. E como eu fiquei três anos fora, retomamos e já entramos direto, focado, na perspectiva de fazer o mandato, de reconquistar o mandato. 

Por conta disso fiquei um pouco alheia aos debates do ponto de vista latino-americano e até internacional. É óbvio que não muda muito. Sabemos que o nosso lado sempre é dos fracos e dos oprimidos e sempre o lado que tem que estar cada vez mais preparado, porque a disputa se acirra nacional e internacionalmente. E do ponto de vista da América Latina, ela se acirra. 

Não é por acaso que a guerra da Rússia com Ucrânia hoje chama atenção de todos nós, porque todos nós sabemos que esta guerra lá hoje, localizada entre esses dois países que já foram tudo a mesma coisa, pode provocar uma hecatombe mundial, não é? E, portanto, levar todos nós juntos. 

Mas a perspectiva de que possamos fortalecer o nosso país, que é, eu diria, o grande motor da América Latina, como o país referência da América Latina e que já chegou a ser referência também mundial, no G7, no G20, junto com outros países, inclusive quando montou todas as articulações com a China e com os demais países, que enfim, tudo que vocês já sabem, poder voltar a ter um governo com esse preceito, com esse compromisso. Isso nos dá um certo alento e um certo alívio.

O Brasil pôde contribuir para a paz mundial naquele período com Lula presidente e mesmo a Dilma no seu primeiro mandato. Contribuímos firmemente para isso e a minha expectativa é de que o Brasil volte a ser de novo essa referência. 


Stela criou a Procuradoria Especial da Mulher / Foto: Agência de Notícias da AL

BdFRS - Como foi fazer campanha neste momento, considerando os 4 anos de governo do Bolsonaro?

Stela - Eu não acreditava que nós seríamos derrotados por Bolsonaro, em 2018. Acho que a maioria de nós não acreditava que uma coisa tão insana e que nem adjetivo tem para nominar, poderia ser eleito presidente. Bom, ele acabou se elegendo. 

Quando ele se elegeu, o meu sentimento era de que não voltaríamos tão cedo a ter a oportunidade de voltar a governar o Brasil. Mas ele meio que dosou demais na maldade, nas coisas insanas, estapafúrdias, sem nenhuma perspectiva de lógica. 

O que ele (Bolsonaro) fez foi tão agudo, trouxe de volta 30 milhões de pessoas para o mapa da fome, da miséria absoluta e extrema pobreza, responsável por pelo menos metade de todas as vítimas da covid.

Ele pisou fundo demais no acelerador. Na minha opinião, porque é um psicopata, não é só uma problemática política ideológica, tem uma psicopatia. E ele foi fundo demais, e ao ele ir fundo demais, ele acabou nos dando essa condição do retorno. 

Bolsonaro só produziu o mal, só afundou o país, só enterrou as pessoas, só matou gente. Ele é, de fato, um governo genocida, bárbaro, jamais visto na história do país

Eu tenho impressão de que se fosse um outro ser que estivesse governando o país, e que tivesse um mínimo de bom senso, talvez, levasse a esse desgaste profundo da criminalização que eles impuseram ao PT, ao Lula, ao nosso campo de esquerda, por muito mais tempo. 

Ainda assim, ele tem aí quase 40% da população acreditando nele, porque eles souberam se utilizar de toda a pós-modernidade da comunicação que nós ainda não dominamos. 

Ele só produziu o mal, só afundou o país, só enterrou as pessoas, só matou gente. Ele é, de fato, um governo genocida, bárbaro, jamais visto na história do país. 

Diante disso, eu também não podia esperar que tão rapidamente pudéssemos dar a volta. Mas na minha opinião, foi por conta dos erros dele que tivemos essa chance. 

Então, mesmo as pessoas tendo dúvidas, porque tem muita gente que esteve conosco em algum momento e que hoje ainda não voltou para estar conosco, tal foi o grau de criminalização imposta. Ainda assim, hoje temos uma chance real de vitória, graças a esse personagem que aí está. 

* O papel da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC) consiste em iniciativas que se baseiam nos princípios fundamentais para uma nova Economia que “traz vida, não morte, que é inclusiva e não exclusiva, humana e não desumanizadora, que cuida do meio ambiente e não o despoja" de acordo com o chamado do Papa Francisco.


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Edição: Katia Marko