Rio Grande do Sul

ELEIÇÕES 2022

No Nordeste gaúcho, o campeão de votos não é Lula, mas Bolsonaro

Na geografia do Rio Grande do Sul, a mina de votos do bolsonarismo está encravada na Serra do Nordeste

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nova Pádua, encravada da Serra Gaúcha e distante 165 quilômetros de Porto Alegre, continua sendo a cidade mais bolsonarista do Brasil - Divulgação

Ao contrário do Nordeste do país, que concentra os municípios mais lulistas do Brasil, o Nordeste gaúcho abriga as cidades mais bolsonaristas do território nacional. É o caso de Nova Pádua que destinou a Jair Bolsonaro praticamente nove em cada 10 votos (88,99%) no dia 30 de outubro. A cidade confirma que continua sendo, desde 2018, a mais bolsonarista do Brasil. O presidente cativou 1.819 dos eleitores locais, enquanto Lula somente 225.  

“Até os cachorros votam no Bolsonário”

Um dos maiores propagandistas das virtudes presidenciais é o padre José Mussoi, o pároco local. Uma semana antes do 2º turno, ele chegou ao ponto de gravar e divulgar um vídeo nas redes sociais com ofensas aos eleitores de Lula.

"Quem vota em Bolsonário (sic), trabalha. Não é essa petezada vagabunda, que não trabalha e quer comer de graça nas costas dos outros!", ataca no vídeo. “Povo cristão – acusa – não vota em ladrão nem presidiário. Vamos acordar, seus bocó, maluco! (...) Nada de esquerdopata, comunista, essa máfia!"

No mesmo vídeo, empolgado na visita a uma horta, Mussoi pergunta ao agricultor em quem irá votar e, quando a resposta é “Bolsonaro, 50 vezes”, não se contém: “Aqui até os cachorros votam no Bolsonário”.

"Pandemia é palavra de comunista”

O proselitismo de Mussoi rendeu-lhe uma advertência da diocese de Caxias do Sul e o padre prometeu ficar de bico fechado.

Folclórico, o pároco já se declarou fã das supostas virtudes da cloroquina contra a covid-19. Para ele, “pandemia é palavra de comunista” e o vírus não seria coisa divina, mas criado em laboratório. Já afirmou que a pandemia poderia ser “o começo da 3ª Guerra Mundial biológica planejada há mais de 30 anos pela Nova Ordem Econômica Mundial que é o comunismo”.

Na região também desponta a vizinha Nova Bassano que descarregou 83,84% de sua votação no candidato do PL. É a sexta cidade mais bolsonarista do país.  

Não tão longe dali estão também Pinto Bandeira e Vespasiano Corrêa. A primeira colaborou com 83,47% de seus votos para o atual inquilino do Planalto. A segunda despejou 83,54% na candidatura oficialista, instalando-se em oitavo lugar no ranking nacional de fidelidade a Bolsonaro, enquanto Pinto Bandeira é a nona.

Cinco cidades gaúchas na lista

Das cinco cidades gaúchas que frequentam a lista das Dez Mais apenas Arroio do Padre, no Sul do estado, de forte presença alemã e na décima colocação, não está na Serra. Lá, o percentual bateu em 83,17%. Das que restam, três estão em Santa Catarina e duas no Paraná.

São pequenas comunidades, mas os maiores municípios da Serra gaúcha também premiaram o governismo. Caxias do Sul, eixo industrial da região, atribuiu-lhe 66,43%. Bento Gonçalves, Garibaldi, Farroupilha, Flores da Cunha, Gramado, Canela e outras seguiram a mesma toada, ofertando ao presidente em final de mandato números superlativos, acima de 70%.

Colonizada por imigrantes vindos da Itália, a Serra escolhe, por regra, políticos conservadores quando não mais afinados com a ultradireita, caso de Jair Bolsonaro.

No passado, culto à Itália fascista

Há dois elementos históricos importantes a serem considerados. Um deles é ter sido terreno fértil para o catolicismo mais tradicional e a circulação das ideias de Benito Mussolini nos anos 1930 do século passado. Outro foi o abrigo que o integralismo, versão cabocla do fascismo, encontrou na região durante a mesma época.

Entre os anos de 1934 e 1938, circulou na região Il Giornale Dell Agricoltore, periódico semanal que, entre temas que interessavam mais diretamente à tarefa dos colonos, enaltecia a Itália fascista. Um clero conservador e sempre presente na comunidade de imigrantes e descendentes servia de reforço diário ao ideário fascista. Jornais, padres e associações comunitárias cumpriam função similar na propagação dos laços entre catolicismo, italianiedade e fascismo.

Ao longo da ditadura de 1964, o partido do regime, a Arena e seu sucessor, o PDS, foram geralmente bem sucedidos eleitoralmente no Nordeste gaúcho. Dois dos governadores nomeados à época pelos generais – Synval Guazzelli e Euclides Triches – eram oriundos da região.

Boicote a Fux

Um incidente em junho deste ano reavivou as antigas afinidades. Aconteceu quando o então presidente do STF, Luiz Fux, foi vítima de boicote por empresários bolsonaristas de Bento Gonçalves. Convidado para palestrar em jantar pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços da cidade, o ministro foi atropelado por uma barragem de críticas nas redes sociais e, logo, com veto ao seu nome e retirada de patrocínios do evento.

Pressentindo o escândalo, a OAB local resolveu assumir os custos e bancar a presença de Fux. Mas já era tarde. Diante da agressividade, Fux cancelou a viagem.


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Edição: Katia Marko