Rio Grande do Sul

VIDA DAS MULHERES

Mulheres das Feiras Ecológicas de Porto Alegre se mobilizam contra a violência e o machismo

Ação de conscientização e debate no último sábado (26) teve origem em violências sofridas por uma feirante

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Feirantes organizaram um dia de mobilização pelo fim da violência contra as mulheres - Reprodução

Uma mobilização chamou a atenção, neste sábado (26), ao Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres. A atividade foi realizada na Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece no Parque da Redenção, sendo organizada por movimentos e entidades feministas, contando com a participação de mulheres feirantes que integram as Feiras Ecológicas de Porto Alegre. Houve um espaço de roda de conversa, um momento de falas para o público, finalizando com um cortejo pela feira.


Mobilização de mulheres durante a FAE teve uma roda de conversa e um cortejo pela feira / Reprodução

Segundo explica Iliete Citadin, integrante do Conselho de Feiras Ecológicas, a iniciativa de prestar solidariedade às Mulheres da FAE partiu das mulheres que atuam na Feira Ecológica do Bom Fim. Além disso, o próprio Conselho das Feiras elaborou a orientação de que todas as Unidades de Feiras Ecológicas de Porto Alegre realizassem atividades alusivas à data.

Além de demarcar a data alusiva ao combate à violência contra as mulheres, a mobilização teve como estopim repetidas violências que acometeram uma senhora idosa que é uma das feirantes mais antigas da FAE.

Durante a fala direcionada ao público, Iliete afirmou que "é muito importante que os consumidores saibam o que está acontecendo. Prestamos nossa solidariedade à FAE devido ao que está acontecendo nessa unidade de feira, algo que está arraigado na nossa sociedade e vem aumentando exponencialmente: a violência contra a mulher".

Violências sistemáticas

Iliete contextualiza que a trabalhadora feirante, idosa com mais de 60 anos, estava sofrendo violência doméstica há pelo menos 17 anos, sem que os colegas soubessem. Afirma que esse tipo de situação, no caso das feirantes, é de difícil percepção, devida à exigência do trabalho, que demanda muita rapidez.

"A gente não sabia, só encontrávamos a colega aos sábados de manhã. As conversas são muito rápidas, o pessoal chega às 5h para organizar. Não é sempre que a gente percebe, tem que ter um ouvido muito afinado, as mulheres às vezes escondem [a violência sofrida]."


O Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres (25/11) foi lembrado por atividades na FAE / Reprodução

Dessa forma, relata que passou a se articular com outras mulheres para ajudar a mulher e levantar o debate. "Se precisava de ajuda para a companheira e sobre o que fazer com a situação, como encaminhar para a polícia e para a própria feira."

Conta ainda que, naquele momento, foi possível conseguir uma medida protetiva para a vítima, visto que a situação dentro do ambiente domiciliar havia se tornado insustentável e o agressor se recusava a sair da casa. Porém, logo após a medida protetiva, o agressor veio a falecer vítima de causas naturais.

"A produção para a feira era tudo com ela, ele não sabia fazer nada, só ficava em casa mandando", afirma Iliete.

Segunda violência

A partir do falecimento do agressor, a vítima pode assumir sozinha a produção e comercialização na feira, visto que dominava os processos e a licença de operação da banca estava no nome dela.

Iliete relata que a mulher tentou acertar uma parceria com outro feirante, para produzir e comercializar em dupla. "Nós descobrimos que esse feirante fez uma 'armação' para ficar com a banca dela, pois a banca dele era somente na modalidade de convidada. Ou seja, quando termina a safra do produto, a banca sai também."


"Racismo e violência contra a mulher não rima com agroecologia!" / Reprodução

A Conselheira da Feira relata que a feirante teve grandes prejuízos financeiros com a parceria. "Descobrimos que esse cara era um estelionatário, foi o segundo momento de violência que essa mulher sofreu."

Segundo ela, os feirantes buscaram apoiar a colega e afastar os agressores da feira. "Para nossa surpresa, apareceram apoiadores do estelionatário. Com isso, passaram a desqualificar a senhora, é uma situação absurda."

Busca de apoio na própria organização

Segundo contextualizou Iliete, as Feiras Ecológicas de Porto Alegre são realizadas há cerca de 30 anos. No caso da Feira Ecológica do Bom Fim e da FAE, já são mais de 30 anos. "As feiras foram construídas a partir de uma organização social, produtoras e produtores se organizaram a partir de seus próprios acordos internos. Afirma, ainda, que atualmente são sete feiras ecológicas em Porto Alegre, cada uma com seu próprio regimento interno, que organiza a convivência e funcionamento.

A feirante relata que a organização de mulheres das feiras tentou afastar e aplicar punições aos feirantes. Porém, disse que foram surpreendidas pela ação da prefeitura, que havia sido acionada pelo acusado de estelionato.


Roda de conversa antecedeu o cortejo alusivo ao combate à violência contra a mulher que aconteceu na FAE neste sábado (26) / Reprodução

"A prefeitura pegou pra si a situação, afirmando que nós não temos poderes com nossos regimentos, afirmando que tudo está organizado a partir de 'acordos de cavalheiros' e que aqueles agressores deveriam continuar na feira. Tentamos fazer a Secretaria de Governança entender que se fôssemos esperar pela Justiça, isso poderia levar anos. Mas nós já temos confirmações e provas e não somos omissas para aguentar pessoas dessa estirpe na feira", afirmou.

A reportagem do Brasil de Fato RS entrou em contato com a Secretaria de Administração e Governança de Porto Alegre, pedindo um posicionamento sobre essa atitude. Também foi questionado se a prefeitura tinha consciência das acusações de estelionato e se pretendia realizar alguma apuração. Até o fechamento desta matéria, ainda não havia resposta.

"Para nós, a prefeitura foi parcial. Rapidamente a PGM deu um parecer e ficou do lado desse estelionatário, dizendo que estávamos fazendo 'justiça com as próprias mãos', mas não fez nada para a pessoa vitimizada", protestou a feirante.

"Não aceitamos esse tipo de postura"

Segundo Elson Schroeder, assessor de comunicação da Associação Agroecológica e representante da FAE dentro do Conselho de Feiras, assim que as mulheres feirantes da FAE e da Feira do Bom Fim solicitaram o apoio do Conselho, foram feitas diligências para encaminhar as providências necessárias.

"Essas violências relacionadas com o gênero e com a questão racial infelizmente ainda estão presentes na nossa sociedade, as feiras não estão livres disso. Não é porque são feiras ecológicas que estamos imunes. Agora, nós como ecologistas e como cidadãos entendemos que situações como esta, quando descobertas, devem ser tratadas e enfrentadas", afirma Elson.

Relata que o processo durou cerca de um ano, culminando na exclusão dos feirantes agressores. "Decidimos não varrer para baixo do tapete, nem deixar de tratar o assunto publicamente, resguardando a vítima."

Porém, Elson também critica a ação da prefeitura. Por conta desse processo de exclusão, relata que os feirantes excluídos foram buscar resguardo na prefeitura, que agiu para garantir a permanência deles (o acusado de estelionato e de um apoiador).

"A gente sabe que ocupa um espaço publico e que é natural que a prefeitura tenha responsabilidades, mas está havendo uma clara interferência quando impõe a presença desses dois feirantes que foram excluídos", critica Elson. "Não aceitamos esse tipo de postura. Além do que, a vítima não pode ficar perto do seu algoz, como se nada tivesse acontecido."

Princípios feridos

Conforme Iliete, as atitudes dos feirantes (tanto o agressor quanto o acusado de estelionato) ferem os princípios da agroecologia que são de respeito, solidariedade e acolhimento.


Atividades em alusão aos dias 20 e 25 de novembro foram realizadas na FAE / Reprodução

"Dentro do mês de novembro, foi deliberada a orientação no Conselho de Feiras para a realização de atividades alusivas ao Dia da Consciência Negra e ao Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres", afirmou a feirante.

Iliete ressalta que a atividade foi feita como forma de protesto, pois, ao se deparar com as situações de violência contra as mulheres, muitas enfrentam "um emaranhado de situações, é como se fosse um muro de concreto. E nós queremos mostrar que não é bem assim. Temos que mostrar as feridas para poder tratar delas, se esse assunto não era discutido nas feiras, agora vai ser".


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Edição: Katia Marko