Rio Grande do Sul

CULTURA

Festival da Primavera agita o fim de semana em assentamento do MTD em Eldorado do Sul (RS)

Nei Lisboa foi uma das atrações nos 2 dias de confraternização da luta na 6ª edição do evento no Assentamento Belo Monte

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nei Lisboa e outras bandas e artistas subiram ao palco no assentamento neste final de semana - Foto: Saraí Brixner

Dois dias de muita cultura, esporte e confraternização em meio à natureza. Assim foi a 6ª edição do Festival da Primavera, realizado neste sábado (3) e domingo (4) no Assentamento Belo Monte, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), em Eldorado do Sul (RS). Além de talentos musicais da região, a atividade contou com a participação do cantor e compositor Nei Lisboa. Também foram realizadas atividades como sarau literário, feira de produtos da comunidade, atividades infantis e jogos de vôlei e futebol.

O Belo Monte é um assentamento rururbano implantado durante o governo de Olívio Dutra, em 2001, com o objetivo de integrar trabalhadores urbano-rurais submetidos a situação de desemprego ou subemprego. Localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre, traz a vivência da periferia das grandes cidades para a produção de alimentos.

Chirlei Fischer, militante do MTD, celebra o sexto ano de realização do festival. Comenta que é quando o assentamento “acolhe e recebe amigos e companheiros e companheiras para realizar um grande festival de música e cultura”, trazendo ao local atividades que normalmente ocorrem apenas nas grandes cidades.


Nei Lisboa no Festival da Primavera do Assentamento Belo Monte / Foto: Saraí Brixner

A militante destaca que o festival abre espaço para artistas que nasceram ou foram criados no assentamento tocarem ao lado de nomes como Nei Lisboa. “Valoriza o protagonismo da juventude que vai morar aqui nos próximos anos, junta a experiência com essa juventude que tá vindo pra poder dizer nossa voz através da música e da cultura”, afirma.

No sábado foi o dia da música. Além de Nei, subiram ao palco Edson Leal, Sôres Brasil, Os Lucianos, Isla Quintana, A Base, Aurora, MC Pereira e convidados. No domingo, foi o dia do esporte. Além da prática por diversão, os times masculino e feminino do assentamento receberam times de fora para partidas de futebol.

Recarregar as energias para a transformação

Seguindo Chirlei, o evento também foi uma oportunidade para retomar o contato direto do movimento com o povo, o que foi prejudicado durante os períodos mais graves da pandemia da covid-19. “Pro MTD é importante resgatar isso, trazer as pessoas pra perto, conversar sobre a nossa realidade. A partir da música a gente tem muito a aprender e muito a contribuir, as crianças aprendem, os adultos aprendem.”


Fim de semana de sol e clima de confraternização no Belo Monte / Foto: Saraí Brixner

Para Nei Lisboa, foi uma experiência muito enriquecedora. “Eu não tinha visitado o Belo Monte e não tinha conhecimento da especificidade dele, a particularidade de ser quase um piloto de um assentamento híbrido, digamos assim, ligada também à urbanidade, à periferia das cidades da Grande Porto Alegre. E trazendo pro meio rural pessoas que estavam, muitas vezes, numa situação de abandono dentro da cidade”, afirma.

O músico destaca a recepção calorosa dos assentados. “No geral, o carinho que as pessoas te recebem e me receberam lá, a vibe que tem de uma tranquilidade, um lugar muito bonito, então deu muita vontade de ir lá com mais calma”, conta.

Durante sua apresentação, Nei foi presenteado com uma cesta de produtos oriundos do Belo Monte e um boné do MTD. No momento da entrega, Lourdes Santin recordou dos primórdios do assentamento, quando nos anos 2000 muitas pessoas na luta pelo território foram presas e violentadas pela polícia.

“Aguentamos tudo isso porque valia a pena. Como tu disse”, falou a militante ao presentear o músico, “a gente espera voltar a ter um Brasil melhor. Nós conquistamos essa terra porque nós tínhamos Olívio Dutra, que é padrinho desse assentamento, conquistamos luz com o Programa Luz para Todos do governo Lula, portanto queremos agora acreditar que esses jovens lindos, maravilhosos possam ter uma escola integral, Instituto Federal e muita cultura. A terra improdutiva tem que ser ocupada porque ela produz comida boa, e nós queremos que tu aproveite um pouco das coisas boas”.


Cantor foi presentado com cesta de produtos do assentamento e boné do MTD / Foto: Saraí Brixner

Trabalho do Instituto Ataîru

Na avaliação de Nei Lisboa, atividades como essa são de “uma importância imensa”. “Não me engano ao dizer isso, a gente tem vivido num país em que nos últimos anos a cultura é inimiga, é bandida, então mais ainda se acentua a necessidade de estar trabalhando pra reverter isso.”

Ao ressaltar a importância da cultura como transformadora de realidades, o músico elogia o trabalho feito pelo Instituto Ataîru. A entidade tem uma biblioteca no Belo Monte e promove as edições do Festival da Primavera no assentamento.

“É um trabalho sensacional, da biblioteca, dos cursos de música, do festival, tudo se completa, essa relação com a cultura e as artes é essencial para a gurizada, que curte muito. Tem o futebol deles que também é maravilhoso, times masculino e feminino que disputam campeonato”, pontua.

A coordenadora e secretária do Instituto Ataîru, Laia Sastre Esteban, é mediadora de leitura da Biblioteca Ataîru, ponto de cultura que funciona no Assentamento Belo Monte. Ela recorda que o primeiro festival, em 2017, nasceu como uma comemoração da existência do espaço.


Crianças em atividade da Biblioteca Ataîru no assentamento / Foto: Arquivo pessoal

“Nessa primeira edição participaram várias bandas de um coletivo parceiro do projeto, o Coletivo Música da Casa Verde, junto com participantes das aulas de música que acontecem na biblioteca desde seu início. O evento teve tanto sucesso que depois desse ano organizamos festivais anualmente”, afirma.

Ela explica que o Instituto Ataîru nasceu de sonhos e da parceria “entre um grupo de seres inquietos, preocupados com o bem viver de suas comunidades e que acreditam que o acesso à cultura e à educação de qualidade são direitos humanos fundamentais”. Destaca que os momentos culturais “geram muita coesão na comunidade e melhoram as relações sociais, além de envolver os participantes no mundo das artes, das letras e da cultura”.

Além da biblioteca comunitária no Belo Monte, o Instituto conta com outra no assentamento Apolônio de Carvalho, do MST, também em Eldorado. Faz parte da rede de Bibliotecas Comunitárias do RS Beabah e tem parcerias com diversas entidades, como a Faculdade de Biblioteconomia da UFRGS, a Associação de Canoagem de Eldorado do Sul (ACECEL), a Ong Cirandar, entre outras.


Oficina na Biblioteca Ataîru / Foto: Arquivo pessoal

"Pensado e feito a muita mãos"

Uma das características mais importantes do Festival da Primavera, conforme Laia, é ser “pensado e feito a muitas mãos”. Toda a organização, decoração, limpeza e apresentações são realizadas em coletivo. Uma parte da comunidade se organiza em bancas para vender seus produtos, comes e bebes. Jovens e as crianças se envolvem na organização em diferentes áreas. O clube de futebol e esportes do Assentamento Belo Monte (BMFC) participa dos eventos, organizando jogos de futebol com times da região e outras atividades esportivas.

“Todos os músicos que participam o fazem pelo amor à arte e à amizade que os une à biblioteca e à comunidade. Já passaram pelo festival bandas de jazz brasileiro, de pop, de rock, de música autoral, MCs de Rap, de trap e de funky e também muitos artistas locais. Também os estudantes das oficinas de música e produção têm a oportunidade, cada ano, de se apresentar e dividir o palco com músicos profissionais”, conta a coordenadora do Instituto.

Segundo ela, a presença de Nei Lisboa fez do evento “um acontecimento muito especial”. Comenta que o apoio da Prefeitura de Eldorado do Sul e da Secretaria de Educação e Cultura proporcionou uma ótima estrutura para receber as pessoas da comunidade. Inclusive, houve transporte gratuito, facilitado pela prefeitura, desde Porto Alegre e Eldorado do Sul até o local.


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Edição: Katia Marko