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Coluna

PEC da transição para incluir os pobres no orçamento

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"Enquanto não seja totalmente revogada a EC95, é fundamental que os gastos com o bolsa família e alguns outros gastos essenciais ao funcionamento do Estado sejam retirados do teto" - Tomaz Silva/Agência Brasil
A história nos ensina que, em períodos de crise econômica, os gastos públicos são fundamentais

A PEC da transição (PEC 32/2022) significa a garantia de que os limites fiscais autoimpostos pelo teto dos gastos não prejudiquem o pagamento do bolsa família. Por outro lado, significa também o destravamento dos investimentos públicos nas demais áreas. O congelamento faz com que os gastos discricionários fiquem menores a cada ano, pois o crescimento inevitável dos gastos obrigatórios pressiona para baixo os demais gastos. O orçamento previsto para despesas não obrigatórias em 2023 é R$ 63 bilhões menor do que foi em 2016.

De acordo com o texto aprovado no Senado e em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o valor de até R$ 168 bilhões poderá ser executado por fora da regra do teto estabelecida pela Emenda Constitucional 95/2016 (EC95). Importante esclarecer que essa autorização para ampliar os gastos, assim como outras que já ocorreram nos últimos anos, ajuda a superar a percepção, quase dogmática, de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada. Aliás, o objetivo da EC95 nunca foi o equilíbrio fiscal, mas sim a redução do tamanho do Estado.   

O efeito imediato da retirada deste valor dos limites impostos pelo congelamento é o de garantir o pagamento do bolsa família, no valor de R$ 600,00, ou seja, coloca os pobres no orçamento. Indiretamente, no entanto, possibilita a liberação de recursos para manutenção dos gastos obrigatórios e para ampliação de despesas discricionárias, que servem essencialmente para manter o funcionamento do Estado e promover investimentos públicos, como obras de infraestrutura, de habitação e outras, que são fundamentais para reaquecer a atividade econômica e gerar empregos.

Desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016, o crescimento necessário de algumas despesas obrigatórias, como o pagamento dos benefícios previdenciários, passou a concorrer com os investimentos públicos. Os gastos obrigatórios com saúde e educação, por exemplo, passaram a ser pressionados para baixo. Nos anos de 2018, 2019 e 2022 (ressalvados os dois períodos de pandemia em 2020 e 2021), o efeito produzido pela EC95 no financiamento do SUS foi de perda acumulada de aproximadamente R$ 42 bilhões, em relação ao que seria alocado no setor, caso a regra constitucional de vinculação obrigatória com a Receita Corrente Líquida estivesse sendo aplicada. O mesmo ocorre com os investimentos na educação.

O congelamento dos gastos transformou-se numa imensa armadilha, pois os gastos primários tenderão a ser sempre reduzidos, mesmo que haja elevação de arrecadação de tributos ou crescimento econômico, o que impossibilita o cumprimento dos objetivos previstos no Artigo 3º da Constituição Federal. Por outro lado, a limitação imposta aos gastos públicos acaba gerando restrições ao aumento de receitas tributárias e ao crescimento econômico. Ou seja, a EC95 criou um círculo vicioso, que precisa ser urgentemente rompido, sob pena de trancar o crescimento e perpetuar a desigualdade.

O equilíbrio fiscal, tantas vezes usado como justificativa para a restrição aos gastos, depende muito mais da arrecadação de tributos do que dos limites estabelecidos para os gastos. Aliás, em 2016, quando foi aprovada a EC95, não havia crescimento descontrolado dos gastos, como se dizia, mas sim uma redução brutal da arrecadação, decorrente da crise econômica, da sonegação e das renúncias fiscais.

Para aumentar a arrecadação, no entanto, é necessário investimento público, tanto na capacidade do Estado de combater a sonegação, quanto na implementação de políticas públicas que possam promover o crescimento econômico. O aumento de arrecadação, portanto, depende, em grande medida da possibilidade de gastar e de investir. Também é importante ter em conta que o equilíbrio fiscal poderia ser alcançado com a tributação das altas rendas e das grandes fortunas dos super-ricos, que têm sido historicamente subtributados no Brasil.

Ao contrário do que costuma ser afirmado, o descongelamento dos gastos constitui medida muito mais favorável ao equilíbrio fiscal do que a manutenção das regras do teto. Aliás, em períodos de crise econômica, o déficit fiscal seria até desejável, pois o saldo negativo nas contas públicas representaria exatamente o superávit para o setor privado, e esses recursos são essenciais para acelerar o enfrentamento da crise. Portanto, a imposição de limites aos gastos acaba se convertendo em uma medida contrária ao crescimento econômico do país. 

Enquanto não seja totalmente revogada a EC95, é fundamental que os gastos com o bolsa família e alguns outros gastos essenciais ao funcionamento do Estado sejam retirados do teto. Da mesma forma os benefícios previdenciários deveriam ser liberados dos limites estabelecidos pelo congelamento. Os primeiros por significarem as condições essenciais para combate à pobreza e a fome. Os segundos por constituírem, ainda que parcialmente, contrapartida de contribuições individuais específicas dos beneficiários.

Além disso, é importante considerar que o congelamento dos benefícios previdenciários impõe limites ao crescimento do valor do salário mínimo, e isso acaba se convertendo em instrumento de ampliação de lucros para o setor empresarial, aprofundando a desigualdade social. O congelamento dos gastos primários foi também justificado como uma medida necessária para evitar a ampliação do endividamento público. No entanto, serviu somente para reduzir as políticas públicas do Estado, pois o endividamento público não se reduziu, pelo contrário, cresceu de forma muito mais expressiva depois de 2016.

A história nos ensina que, em períodos de crise econômica, os gastos públicos são fundamentais, pois injetam os recursos necessários para a retomada das atividades econômicas. Descongelar parte dos gastos sociais, neste momento, além de criar condições para proteção social aos mais vulneráveis, e para acabar com a fome, significa também, sem dúvida alguma, a forma mais rápida e eficaz de enfrentamento da crise em que estamos metidos, pois libera espaço fiscal para o Estado poder investir e, com isso, voltar a crescer e gerar empregos, reduzir as desigualdades e recuperar uma condição fiscal equilibrada.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko