Rio Grande do Sul

SAÚDE PÚBLICA

“Brasil perdeu o protagonismo que tinha no cenário da saúde global”, afirma Draurio Barreira

O médico sanitarista será responsável pelo novo Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Eu acredito sinceramente nas metas de eliminação da Aids, da tuberculose, das hepatites virais como problema de saúde pública", afirma Draurio Barreira - Foto: Arquivo Pessoal

“Vamos juntos com as organizações da sociedade civil reconstruir esse país. Isso não é apenas um slogan de governo, é a razão pela qual todos nós queremos trabalhar. Temos muito trabalho pela frente”, afirma o médico sanitarista e epidemiologista Draurio Barreira, anunciado para ser o responsável pelo novo Departamento de Vigilância de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis)/Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde. 

Há sete anos trabalhando com inovação em saúde, na Unitaid da Organização Mundial da Saúde, Draurio foi convidado para dirigir o setor que foi desmontado durante o governo de Jair Bolsonaro. A nomeação oficial deve acontecer nos próximos dias. Enquanto isso, o médico diz que está no período de escuta. “Ouvir a todos, aos meus colegas na gestão, ouvir a academia e, principalmente, ouvir aqueles afetados pela doenças com que irei trabalhar, a sociedade civil, as ONGs, as pessoas afetadas, essas precisam ter voz ativa na verbalização de suas necessidades”, afirma ao Brasil de Fato RS.

Draurio sabe dos desafios, mas acredita que o Brasil  pode recuperar o protagonismo que teve no cenário da saúde global. “Eu acredito sinceramente nas metas de eliminação da Aids, da tuberculose, das hepatites virais como problema de saúde pública. Para isso precisaremos de financiamento adequado e articulação política, mas pode ter certeza, teremos propostas para cada uma delas.” O orçamento para a Saúde deste ano pode ter R$ 60 bilhões a menos do que em 2022, com base no Projeto de Lei Orçamentária (PLO) de 2023.

No Brasil, desde o registro do primeiro caso até o momento, foram identificados 1.088.536 casos de Aids. Nos últimos cinco anos, assinala, anualmente, a média de 36,4 mil novos casos.

Draurio Barreira é servidor concursado do Ministério da Saúde, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1987, com pós-graduações em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e University of South Florida. 

Também foi o primeiro gerente do Programa de DST/Aids do município do Rio de Janeiro na década de 1990, chefe da Unidade de Vigilância Epidemiológica do antigo Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde, coordenador do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, do Ministério da Saúde, e desde 2015 é gerente técnico sênior de tuberculose da Unitaid, agência de inovação em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra.

Abaixo a entrevista completa

Brasil de Fato RS - Neste momento de reconstrução das políticas públicas, quais as ações prioritárias para a área?

Draurio Barreira - Fui convidado na semana passada, foi tudo muito rápido e ainda estou me preparando para o grande desafio que teremos pela frente. Estou há sete anos trabalhando com inovação em saúde, na Unitaid/OMS. Mas além do surgimento de novas ferramentas de diagnóstico, prevenção e tratamento, o maior desafio é promover o acesso àqueles que mais precisam dessas inovações. 

Estou no período de escuta, ouvir a todos, aos meus colegas na gestão, ouvir a academia e, principalmente, ouvir aqueles afetados pela doenças com que irei trabalhar, a sociedade civil, as ONGs, as pessoas afetadas, essas precisam ter voz ativa na verbalização de suas necessidades.

A recriação e o fortalecimento dos foros de gestão participativa, como a Comissão Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais (CNAIDS), Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais (CAMS), comitês assessores com participação da sociedade organizada, devem ser priorizadas como o ponto de partida. Mas preciso chegar primeiro, preciso conversar com meus colegas no Ministério, imagino que todo o Ministério, todo o governo, passe por esse processo. 

Tentou-se tratar todas as necessidades legítimas de forma pejorativa, como se fosse um discurso de vitimização dessas necessidades. Esse tempo felizmente acabou, o pesadelo acabou

BdFRS - Já existe algum planejamento para os primeiros 100 dias de gestão? Como percebes o Brasil hoje no cenário internacional, uma vez que a resposta brasileira já foi apontada como a melhor do mundo?

Draurio - Terei a primeira reunião com a equipe nessa semana. Lembro que ainda não fui nomeado, fui convidado e aceitei o convite. Ainda sou funcionário da OMS. Na OMS não podemos emitir opinião sobre os estados membro das Nações Unidas.

Vou me desligar da OMS nessa semana e aguardarei a nomeação. A partir daí poderei falar em nome do Departamento. O que posso adiantar, como opinião pessoal, é que o Brasil perdeu o protagonismo que tinha no cenário da saúde global, uma de nossas prioridades será retomar esse protagonismo por meio de uma política ousada de acesso universal tendo a pessoa afetada como o centro dessa política. 

Eu acredito sinceramente nas metas de eliminação da Aids, da tuberculose, das hepatites virais como problema de saúde pública. Para isso precisaremos de financiamento adequado e articulação política, mas pode ter certeza, teremos propostas para cada uma delas.


Porto Alegre há anos está entre as capitais com maiores taxas de detecção e óbitos por Aids do país / Foto: Cristine Rochol/PMPA

BdFRS - A falta de interlocução com a sociedade civil e movimentos populares foi uma constante no último governo. Qual a sua opinião sobre a articulação e o diálogo com a sociedade civil?

Draurio - Fui gestor do primeiro Programa de DST/Aids do município do Rio de Janeiro, fui gestor do Programa Nacional de Controle da Tuberculose até 2015, sempre me pautei pela escuta e respeito às necessidades das pessoas afetadas e das organizações que as representam. Considero que o principal legado que deixei no Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) foi o crescimento inaudito do movimento social. Dessa vez não será diferente. O papel da sociedade civil sempre foi fundamental na resposta nacional.

BdFRS - O RS tem um cenário epidemiológico distinto do país, com indicadores que nos permitem afirmar que temos uma epidemia generalizada no estado. O senhor já pensou em implementar algo específico para epidemia localmente?

Draurio - Na Unitaid, na OMS, usamos muito o termo, de forma negativa, que “One size fits all” não funciona, ou seja, não há uma solução que atenda a todas as necessidades, é preciso avaliar as especificidades de cada realidade, assim como suas necessidades. Certamente trataremos de forma diferente situações diferentes e necessidades diferentes. 

O papel da sociedade civil sempre foi fundamental na resposta nacional

BdFRS - A AIDS e as demais doenças sexualmente transmissíveis perderam visibilidade na sociedade? O que precisa ser aperfeiçoado nesse diálogo da Aids?

Draurio - Houve uma política deliberada de invisibilizar o HIV/Aids, as pessoas mais vulneráveis, “as minorias”, os direitos humanos, enfim. Tentou-se tratar todas as necessidades legítimas de forma pejorativa, como se fosse um discurso de vitimização dessas necessidades. Esse tempo felizmente acabou, o pesadelo acabou. 

Ter o indivíduo afetado pelo HIV, pela TB, pelas ISTs, pelas hepatites virais, suas organizações no centro da discussão da resposta nacional é o começo do nosso trabalho. Vamos juntos com as organizações da sociedade civil reconstruir esse país. Isso não é apenas um slogan de governo, é a razão pela qual todos nós queremos trabalhar. Temos muito trabalho pela frente.


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Edição: Katia Marko