Rio Grande do Sul

Coluna

A estupidez, o golpe e a esperança

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"A concretização das esperanças, como anunciou Henfil, vai depender de nós. Não será fácil, vai exigir trato duro aos que organizaram, incitaram e continuam alimentando as ações antidemocráticas" - Tira: Henfil
Precisamos demonstrar disposição de cerrar fileiras em defesa de um projeto de país soberano

Gostei de escrever, na semana passada, sobre as mulheres-semente dos ministérios dos povos ancestrais e da igualdade racial. Elas me encheram de esperança e força para o trabalho que se anuncia desde a beira das calçadas até os horizontes que se desenham em todos os cantos deste país. E até por isso, confesso que não me agrada escrever sobre o que vai a seguir. Mas é importante e faz parte da tarefa de todos: registrar e divulgar fatos que estão ocultos sob o tapete de mistificações construído pela turma do falso messias.

Então, que seja.

Dia 8 de janeiro golpistas/bolsonaristas/ fascistas assumiram de pleno, que não merecem sequer a confiança deles mesmos. Lembram aquele miliciano super-homenageado pela família do mito? O Capitão Adriano, que passava dinheiro pro Queiroz, aquele outro sumido que repassava cheques para a Michele?

Pois o Adriano, sozinho, cercado e sem saída, acabou sendo morto a tiros por batalhão policial de orientação bolsonarista, na chácara de um vereador bolsonarista, no interior da Bahia. Seus 13 celulares continuam ocultos e não se falou mais nisso.   

Mas com certeza o tema vai voltar à baila. Não apenas porque se relaciona com a morte de Marielle Franco, cujo esclarecimento é questão de honra para o ministro da Justiça, como também porque ali se desenhava a prática de abandono dos “parceiros” em desgraça, que os bolsonaristas graduados concederam à massa de manobra que lançaram contra a Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. Tentavam ali um golpe de Estado, que só fracassou sem derramamento de sangue por erros táticos, de parte deles, e pelas rápidas ações do ministro da Justiça, do presidente e do STF.

Quase mil e quinhentos apoiadores dos interesses golpistas foram sacrificados naquela ação estúpida do dia da infâmia. Os bagrinhos que se propuseram a atuar como leões de chácara, como jagunços menores, quem sabe até se julgando bandeirantes modernos assanhados pelo brilho da glória e da grana, praticaram crimes barra pesada, e vão pagar por isso. Suas ações pretendiam alimentar outras desgraças e estender rupturas democráticas em ondas de terror piores do que as ali praticadas, quem sabe envolvendo depredação de moradias selecionadas, bloqueio de estradas, ataques a torres de energia, refinarias, bombas em caminhões tanque, granadas e uso de armas militares contra agentes de segurança e sabe-se lá mais o que.  Não se iludam, eles pretendiam acabar com a paz que todos ansiamos para a criação de nossos filhos. Por isso, muitos destes que estão presos de lá não sairão. E seus eventuais seguidores, ou contatos de base, também serão identificados e (presos ou não) terão a garantia do abandono e da traição por parte dos graúdos que os manipularam. 

A história avança e todas as tentativas de ditadura fracassam com o tempo. Já aprendemos que anistias amplas gerais e irrestritas alimentam o mal e até por isso não cairemos de novo naquela trampa. Estes criminosos vão servir de exemplo pedagógico, pagando pela estupidez e canalhice com anos de vida em cana, com a vergonha dos parentes e amigos.

Reclamam inocência. Alegam boas intenções. Querem o respeito a direitos que pretendem destruir. Em breve dirão ter sido iludidos e ofuscados pela orientação de pastores que ofereciam prebendas no mundo dos céus, e/ou garantia de satisfações na terra, com os custos cobertos e os sorrisos de nobres endinheirados.

Estão surpresos pela ausência das lideranças que os assanharam e depois, fugindo ou não do país, tratam de se manter à distância, visando transferir suas responsabilidades aos que já estão presos. Chocados, quem sabe, pela facilidade com que foram induzidos a se meter na fria em que entraram, via tratamento simpático que raposas ofereceriam a frangos, agora não lhes resta muito a fazer. Talvez consigam, no máximo, reduções de pena, delatando o peso do acompanhamento amistoso que receberam desde orientadores religiosos a representantes das áreas de segurança do governo do DF e mesmo do GSI, que “estariam com eles”, naquela cruzada heroica contra o comunismo.

E assim, foram selecionados os que deviam ser presos pela depredação eufórica de símbolos da liberdade, democracia e soberania popular. Atos de terrorismo infantil, tão insensato quanto inútil, que, agora sabem, criou comoção nacional que fortaleceu o governo Lula. Afinal, a democracia não estava contida naquelas obras. Ela reside no coração de homens e mulheres que atribuem valor real à simbologia atacada por aqueles que se jogaram contra os prédios e outros patrimônios nacionais.

De positivo, restou o desmascaramento do golpismo fascista bolsonarista e seus agentes. Esclarecimento agora estendido aos piolhos e aos financiadores e políticos mais afoitos, que - incluídos sem distinção no grupo dos descartáveis - começam a entender a encrenca em que se meteram.

De negativo, cresce a evidência de que a um bando enorme de malucos se associam militares da reserva e da ativa, estrategistas capazes de coordenar ataques simultâneos a prédios distintos, com apoio de redes descentralizadas de financiamento, conexões no exterior já investigadas nos EUA pela CIA e ameaças que sequer podem ser identificadas. Associam-se também, aos terroristas de todos os níveis, empresários e políticos dispostos a comprometer seu futuro, para destruir o nosso, repassando credibilidade e grana, além de proteção judicial aos criminosos. Entende-se, por isso, que os problemas do governo democrático estão apenas no início. Ações dirigidas a bloquear os avanços propostos pelo governo Lula continuarão sendo postas em prática e, se este não agir com firmeza e com apoio dos verdadeiros democratas, nas ruas, tendem a se agravar.

Também no negativo, e em consequência do acima comentado, se soma a evidência de que há uma rede de articulações criminosas e que dela já partiram ordens que levarão malucos que se consideram independentes, em grupelhos espalhados por todo o país, a exercer atividades terroristas antidemocráticas, visando dificultar a organização e as ações do governo de reconstrução nacional. A prisão de criminosos travestidos de patriotas é urgente. Os fugidos, incluindo o ex-presidente, seus porquinhos e ex-ministros devem ser repatriados, julgados e, no limite de suas culpas, se confirmadas, condenados à prisão.

Com a recente descoberta de minuta de decreto na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, a ser por ele assinado para instauração de estado de defesa, anulando eleições após a vitória de Lula, a máscara caiu de vez. Anderson Torres foi preso e agora se inclui entre as lideranças bolsonaristas com motivos para temer acometimento de mal súbito fatal, como aquele que atacou Bebianno.

Ficam aqui os registros e os links de acesso às matérias que sustentam esta triste história. Dados da conjuntura recente, que podem ajudar na consolidação das memórias deste tempo sem sol.

A concretização das esperanças, como anunciou Henfil, vai depender de nós. Não será fácil, vai exigir trato duro aos que organizaram, incitaram e continuam alimentando as ações antidemocráticas. Os pedidos de responsabilização de Bolsonaro, as ações de parlamentares norte-americanos para cassação de seu visto de permanência naquele país e a negativa de interesse em recebê-lo, na Itália, onde a família pretendia obter cidadania, não devem ser minimizados.

Enfim, não basta a prisão dos idiotas que se prestaram a massa de manobra, nem dos parlamentares que se incriminaram em discursos estimuladores aos crimes, ou mesmo dos covardes que ofendem e agridem cidadãos democratas, advogados, professores, jornalistas e outros profissionais comprometidos com o atendimento de suas responsabilidades profissionais. Se faz necessário ir às fontes, cortar os recursos e garantir prevenção de danos futuros. Isso seguramente incluirá artífices da inteligência militar envolvida nas ações do dia 8 de janeiro, que levarão a outras personalidades, ainda a serem explicitadas nos próximos meses.

A luta, portanto, continua. E seu desfecho depende de nós. E não bastam sorrisos inteligentes, de cumplicidade e compreensão. Precisamos demonstrar disposição de cerrar fileiras em defesa de um projeto de país verdadeiramente soberano e comprometido com as necessidades e valores de seu povo e território.

Sem anistia! Não passarão!

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko