Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

Estudantes de Porto Alegre voltam a ocupar as ruas contra a Reforma do Ensino Médio

Dia Nacional de Luta reuniu cerca de 500 estudantes em caminhada que encerrou em frente ao Palácio Piratini

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ato foi organizado por entidades estudantis e Comitê pela Revogação do Ensino Médio - Foto: Christopher Dalla Lana

Mais uma etapa da luta pela revogação do Novo Ensino Médio no país ocorreu na manhã desta quarta-feira (19), em protesto realizado em Porto Alegre. Cerca de 500 estudantes de diversas escolas da Capital aderiram ao segundo Dia Nacional de Mobilização pela causa, que registrou atos em pelo menos 27 cidades do Brasil.

A manifestação foi convocada pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), com o apoio de entidades estudantis e Comitê pela Revogação do Novo Ensino Médio. Dentre as principais reivindicações do movimento estão a suspensão do novo modelo de ensino e a realização de uma Conferência Nacional de Educação junto à população, para a definição de um sistema que contemple as principais demandas da classe trabalhadora.

Além disso, também esteve em pauta no ato em Porto Alegre temas locais que afetam os estudantes. Entre eles a burocracia para o registro da meia tarifa estudantil e o decreto que restringe o comparecimento de agentes políticos e entidades em escolas da rede municipal para proferir palestras.

O ato iniciou por volta das 9h, em frente ao Colégio Estadual Júlio de Castilhos, uma das instituições de ensino mais tradicionais da capital gaúcha. O local serviu como palco para o posicionamento de diversos líderes estudantis, que apontaram as principais críticas com relação ao novo modelo de ensino e entoaram palavras de ordem. Posteriormente, o grupo seguiu em caminhada até a frente do Palácio Piratini, no qual permaneceu até o final da manhã.

Uma das escolas que participou em peso da manifestação foi o Colégio Estadual Afonso Emilio Massot. Um dos líderes do Grêmio Estudantil e representante do Movimento Ocupe, Matheus Vicente, destaca que o Novo Ensino Médio faz parte de um planejamento que visa rebaixar a qualificação dos jovens filhos de trabalhadores que buscam oportunidades de formação profissional.

“Essa reforma é catastrófica para a escola pública porque tem o objetivo de acabar com o conhecimento crítico e outros elementos essenciais para a formação integral dos jovens. As elites que estão articulando essa reforma querem formar os filhos dos trabalhadores para atuar na terceirização e nos aplicativos. Eles não querem que nós tenhamos os melhores serviços e sejamos aprovados em concurso público. Por que na escola privada não foram retiradas as mesmas disciplinas das escolas públicas?”, questiona.   

Essa visão é compartilhada por docentes com décadas de experiência que estão à frente das equipes diretivas das escolas e veem essa realidade se tornando cada vez mais concreta ao longo dos últimos meses. Para a diretora do 39º núcleo do Cpers, Neiva Lazzarotto, o método visa retirar a possibilidade de qualificação profissional dos mais pobres.

“Essa reforma que estão chamando de Novo Ensino Médio é um desastre na vida dos estudantes. Trata-se do ‘nem-nem’ porque nem prepara os estudantes para chegar na universidade, retirando as disciplinas fundamentais para a formação humana, e nem para a vida e formação profissional. Estamos juntos para garantir que as escolas e universidades proporcionem espaço para todos”, ressalta Neiva. 

Burocracia em tarifa integrada e restrição de comparecimento a escolas

O segundo ato de Mobilização pela Revogação do Ensino Médio ocorreu poucos dias após o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), editar um decreto que cerceia a atuação de movimentos estudantis e parlamentares junto a escolas da capital. A medida foi editada na última terça-feira (11), sob a alegação de aumentar a segurança nas instituições de ensino após o ataque a uma escola infantil registrado em Blumenau (SC).

As entidades estudantis denunciam que a medida do Executivo quer abafar as manifestações em escolas municipais – principalmente com relação ao formato da passagem integrada - com o pretexto de incrementar a segurança para professores e alunos.  


Manifestação iniciou em frente ao Colégio Estadual Júlio de Castilhos / Foto: Christopher Dalla Lana

No caso específico de Porto Alegre, a situação também diz respeito ao sucateamento do transporte público e à burocracia imposta pela prefeitura para o registro da meia-passagem para os estudantes. É o que pontua o presidente da União Gaúcha dos Estudantes (UGES) e União Metropolitana dos Estudantes Secundários (Umespa), Anderson Farias.

“Hoje tem milhares de estudantes que não conseguem chegar à escola porque está muito difícil esse processo, exigindo uma série de documentos desnecessários, que servem somente para burocratizar o acesso ao transporte público de meia tarifa e esvaziar as escolas. Antes da pandemia, existiam cerca de 100 mil usuários do transporte público em Porto Alegre, hoje temos cerca de 20 mil”, afirma.

O movimento também teve a participação de entidades vinculadas a instituições de ensino superior, como é o caso do Centro Acadêmico de Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia da UFRGS (Cabam). De acordo com o diretor do Cabam, Gianfrancesco dos Santos, existe uma prática recorrente ao longo dos últimos governos em tentar dificultar ao máximo o processo de formação em escolas públicas e universidades.

“Temos ônibus que atrasam 40, 50, até 60 minutos para chegar ao ponto, além da restrição ao meio passe, visto que o estudante da região Metropolitana não tem direito a essa modalidade de tarifa, além dos estudantes de pós-graduação na universidade, que também têm restrições sobre o meio-passe estudantil. Que projeto de educação é esse para o nosso país no qual o estudante não tem acesso à escola?”, pergunta Santos.   

Também se integraram ao movimento a vereadora Abigail Pereira (PCdoB) e os deputados estaduais Sofia Cavedon (PT),  Matheus Gomes e Luciana Genro (ambos do PSOL). Para Matheus Gomes, a organização dos alunos é um ato destemido diante dos mais recentes episódios de restrições nas escolas.

“Esse é um ato de coragem de vocês, porque as últimas semanas no ambiente escolar ocorreram em meio a ameaças e restrições. Temos que discutir dentro de sala de aula e apontar que esse tipo de questão não pode ser aceita dentro do ambiente escolar. As escolas têm que ter qualidade e salário digno para os professores, e não somente repressão, salas sujas, merenda insuficiente e outros problemas. Isso faz parte da crise que a educação vive atualmente”, apontou o parlamentar em manifestação em frente ao Piratini.    

Dentre as entidades que participaram do protesto estão Coletivo Alicerce, Coletivo Juntos, Ocupe, Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (FENET), União da Juventude Comunista (UJC), 20º, 38º e 39º Núcleo do Cpers, Coletivo Para Todos e Afronte Coletivo. Além disso, o ato contou com o apoio do Comitê Pela Revogação do Ensino Médio.

Principais pontos da Reforma do Ensino Médio

O início do ano letivo trouxe para o contexto das escolas a realidade da implantação do chamado Novo Ensino Médio. A mudança iniciada pelo governo de Michel Temer (MDB), em 2016, e implantada no ano passado pela então presidente Jair Bolsonaro (PL) gerou distorções no método de ensino, sobrecarregando professores e restringindo o acesso ao conhecimento pelos estudantes.

Veja abaixo quais são os principais pontos que motivam a indignação de alunos e de docentes:

• O novo modelo prevê a obrigatoriedade de apenas duas disciplinas - Português e Matemática -, que fazem parte de um currículo integrado que sintetiza todo o conjunto de matérias em quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

• Assim, as demais matérias antes individualizadas - Arte, Educação Física, Língua Inglesa, Biologia, Física, Química, Filosofia, Geografia, História e Sociologia – foram divididas em apenas duas áreas de conhecimento.  Na visão de professores e de alunos, a retirada de matérias de formação intelectual e humana empobrece a capacidade de aprendizado. 

• Outro motivo de crítica é a redução da carga horária de aulas presenciais de 2,4 mil horas anuais para 1,8 mil obrigatórias e 1,2 mil eletivas.

• A oferta de disciplinas eletivas retira a formação do senso crítico e foca em formação profissional para atividades precarizadas, de acordo com os sindicatos e entidades estudantis; 

• A implantação da lei provocou demissão de professores e a imposição que os docentes assumam até sete disciplinas a partir da mudança da matriz curricular – o que causa sobrecarga de trabalho.


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Edição: Marcelo Ferreira