Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Soberania do Saber: Saberes Essenciais para a Vida no Campo

É fundamental um saber teórico e prático. Um saber que cria autonomia, que gera respeito e dignidade para toda classe

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Através do campesinato, a ciência e a sabedoria estão juntas a serviço da vida - Arquivo MPA

É condição de cada camponesa e camponês – e da classe camponesa – ter seu próprio modo de pensar e interpretar o mundo. Ter a sabedoria necessária para se desenvolver pessoalmente, enquanto pessoa e enquanto trabalhadora/or, enquanto produtor de bens e serviços, enquanto ser humano que se relaciona com a natureza e dela retira o seu sustento e o sustento da humanidade.

Implica saberes sobre a terra, sobre as águas, sobre o tempo, sobre as plantas, sobre os animais, sobre os ventos, sobre os ciclos da reprodução da vida, sobre as técnicas, sobre a vida, sobre a saúde, sobre a política, sobre o poder, sobre a história, sobre os relacionamentos, sobre religião e espiritualidade, sobre a educação dos filhos, sobre o respeito e a dignidade – enfim, sobre a vida, a produção, a convivência e as estruturas de poder.

Para a vida camponesa não basta um saber “como é” ou “como são” ou “como se formaram” as coisas, a história, a sociedade e o mundo – embora importante, necessário e indispensável. É fundamental saber fazer, saber consertar, saber criar, saber curar, saber cuidar e sabe produzir. Um saber teórico e prático. Um saber que cria autonomia, que gera respeito e dignidade para toda classe, que não aceita qualquer tipo de humilhação por causa de diploma e aparências. É a Soberania do Saber.

Para isto são necessários: o resgate, o sentido, a valorização e a sistematização dos saberes camponeses, a humildade para aprender e o diálogo de saberes. Portanto é necessário também o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico em diálogo respeitoso e fecundo com os saberes populares.

Para a Soberania do Saber não basta um saber parado no tempo, mas um saber transformador, um saber que faz história, um saber que muda a realidade, a sociedade e o mundo.

Uma Nação só tem Soberania do Saber quando investe pesado também em educação e pesquisa, em todos os níveis, não elitista e alienada, distante da vida e das necessidades do povo, desprezando e desvalorizando o saber e a cultura de seu próprio povo.

Um dos maiores roubos que as multinacionais praticaram foi expropriar séculos de sabedoria que foram transmitidos de pais para filhos durante gerações, a maioria através da tradição oral e da experiência prática e do exemplo. Muita sabedoria camponesa popular se perdeu para sempre.

É preciso reconquistar este patrimônio perdido e buscar novos conhecimentos possíveis, graças a sempre novos avanços do conhecimento humano, com base nos princípios e práticas agroecológicas e das conquistas da ciência e da pesquisa.

O domínio de saberes básicos e conhecimentos estratégicos são cada vez mais necessários para o desenvolvimento das forças produtivas no campo numa lógica camponesa ecológica para alimentar o mundo, preservar o meio ambiente, proteger a vida do planeta e no planeta e construir um modo saudável e feliz de viver.

Ciência e sabedoria, juntas, a serviço da vida.

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* Frade Franciscano, dirigente do MPA e da Via Campesina Brasil. Autor de Trincheiras da Resistência Camponesa, entre outros livros.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko