Rio Grande do Sul

COOPERATIVISMO

Feicoop fortalece economia solidária e lança bases para edição futura do Fórum Social Mundial

Protagonismo popular e defesa da democracia são destaques na carta formulada por organizadores e aliados

Brasil de Fato | Santa Maria (RS) |
O legado de Dom Ivo Lorscheiter e a força simbólica de Irmã lourdes seguem impregnando cada centímetro da Feicoop - Corbari/Brasil de Fato

Como sempre, teve chuva. Mas o sol logo veio. Como sempre, teve momentos que o frio do sul marcou presença, mas o calor humano compensou. Como sempre aconteceram alguns problemas, mas as mãos dadas coletivamente foram mais que suficientes para resolvê-los. Porque como sempre, também, teve diversidade, alegria, força, superação, resistência e muita, muita, muita participação.

A 29ª Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária, realizada em Santa Maria (RS) encerrou no final da tarde de domingo (9) com números robustos e algumas certezas reafirmadas: um novo mundo é possível sim e uma outra economia já acontece. São as sementes plantadas desde a primeira edição do Fórum Social Mundial que seguem germinando, crescendo e frutificando no evento construído a partir do sonho do saudoso Dom Ivo Lorscheiter e do trabalho abnegado da sempre presente Irmã Lourdes Dill, que agora ressoa através de outras mãos que se estendem para continuar.

Realizada no Centro de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter, no Parque da Medianeira, esta edição da Feicoop envolveu cerca de 600 inscrições de expositores, 150 mil pessoas participantes, 3 continentes, 9 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Hungria, Uruguai, Venezuela, Alemanha e Taiwan), 27 estados do Brasil e Distrito Federal. A programação contou com exposição, comercialização, consumo, finanças solidárias, seminários e atividades culturais.

Segundo o coordenador do projeto, José Carlos Peranconi, o público superou as expectativas da organização, que presenciou os pavilhões lotados pelos visitantes: “Ficou claro para todos nós que o objetivo foi alcançado. Êxito total da feira, que aconteceu da melhor forma, com muitas pessoas prestigiando os expositores, ficando até difícil de transitar entre os pavilhões. É uma retomada, a Feicoop voltou a ser como era antes da pandemia da covid-19. Uma resposta muito positiva”, avalia.

Capital mundial da Economia Solidária

Não é exagero, portanto afirmar que a Feicoop volta a ocupar o posto de maior evento do segmento na América Latina e qualifica a cidade de Santa Maria como capital mundial da Economia Solidária ao longo dos três dias de sua realização.

A carta que foi divulgada no final da programação, refletindo os temas propostos, as atividades realizadas e já lançando bases para que se comece a programar a próxima edição, aponta que a feira é “marcada por intenso processo de construção coletiva, onde fizeram parte equipes de trabalho e da organização e participação de empreendimentos e entidades de apoio da economia solidária e gestores públicos, oriundos de diversos territórios”.

Foram realizadas mais de 80 atividades registradas que reuniram trabalhadoras e trabalhadores de diferentes áreas, agricultoras e agricultores familiares e camponeses, agroindústrias familiares, artistas, produção orgânica e agroecológica, medicamentos fitoterápicos e de cuidados com a saúde mental e corporal, artesanato, confecção, alimentação, trabalhos com plantas ornamentais, entre outros. Ainda foi celebrada no espaço os 20 anos do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e 45 anos do Movimento Negro Unificado.


Corredores cheios e muito reconhecimento para a produção dos diversos segmentos da Economia Solidária / Corbari/Brasil de Fato

A reflexão final elaborada pela comissão organizadora por fim remete ao desafio deixado por Dom Ivo Lorscheiter: “Eu desejaria, olhando o futuro, que a nossa região de Santa Maria, que é relativamente pobre, fosse mais intensamente ajudada com atitudes de esperança. Nós não queremos ver pessoas desanimadas, não queremos iludir ninguém, não queremos criar falsas expectativas, mas esperança verdadeira”.

A partir deste chamado, conjugando o verbo “esperançar”, as forças vivas comunitárias e populares que mantém o evento conclama o Brasil e o mundo para celebrar os 30 anos da Feicoop, entre os dias 12 e 14 de julho de 2024. E junto, lançar bases para a construção do IV Fórum Social e Feria mundial de Economia Solidária, a ser realizados em 2026.

“Saímos fortalecidas e fortalecidos com tudo o que a Feicoop nos brindou nesta 29ª Edição e firmamos o compromisso com a construção de iniciativas em rede, com o protagonismo da organização popular e em defesa da democracia em todas as esferas de organização da vida coletiva”, expressaram na carta os porta-vozes das organizações, movimentos e demais instâncias aliançadas sob a bandeira do cooperativismo e da economia solidária.

Confira mais alguns trechos da Carta da 29ª Feicoop

Um grande mosaico de saberes somados para resistir e esperançar: “A Feicoop se constitui como experiência única de convivência e compartilhamento de experiências, conhecimentos, saberes originários que possibilitam a integração entre campo e cidade. Esta edição foi marcada pela unidade e direção política dos movimentos e organizações sociais do campo popular, a partir de atividades conjuntas entre entidades e organizações voltadas para o fortalecimento e constituição do trabalho em redes de trocas, produção, comercialização e consumo responsável, envolvendo o espaço urbano e rural".

Insegurança alimentar e violência conta os povos camponeses: “No contexto de insegurança alimentar que atinge 33 milhões de pessoas no Brasil, reconhecemos que a abundante produção de alimentos tem origem na agricultura familiar e camponesa. Por isso, verificamos de forma nítida por meio do livro “Conflitos no Campo (2022)” da Comissão Pastoral da Terra, que a violência no campo impacta cotidianamente a vida da população, tanto no campo, quanto na cidade, e exige estratégias coletivas da classe trabalhadora.”


A diversidade se encontra nos diferentes espaços da feira, multiplicando a força nas mãos que se unem / Corbari/Brasil de Fato

Com discriminação e opressão a democracia não acontece: “Frente a ofensiva do modo capitalista de produção, onde tudo vira mercadoria, a competição é validada pela meritocracia, o conservadorismo, o negacionismo, a intolerância, o racismo, a xenofobia, o machismo, discriminações e opressões e as diferentes formas de violência, afetam diretamente o povo de periferia, negros, negras e povos originários; onde as diferentes formas de discriminação e opressão são tratadas como algo natural, nós afirmamos: isso não é natural e precisa ser combatido! Sem terra, trabalho, educação e alimento, não há democracia!"

Chamado do Papa Francisco para “realmar” a economia: "Desde a sua gênese e desenvolvimento, a economia solidária é mais do que se vê e do que se vende. Conforme nos inspira o Papa Francisco: “É possível mudar, transformar uma economia que mata numa economia da vida”. A essência da economia solidária compreende valores e princípios de cooperação, autogestão, trabalho coletivo, respeito às diversidades e construção da democracia a partir do trabalho inserido nos territórios. Daí a importância do permanente processo formativo crítico, territorialmente centrado, eticamente comprometido e socialmente responsável".

Compromissos assumidos coletivamente

Considerando o conjunto de debates, encaminhamentos e posicionamentos construídos coletivamente, foram firmamos os seguintes compromissos:

- Implantar urgentemente, em âmbito nacional, um Sistema de Finanças Solidárias com fundo e regulação própria, garantindo ambiente institucional para o seu desenvolvimento e tendo como principal objetivo a dinamização das economias nos territórios.

- Construir estratégias para o fortalecimento das finanças solidárias articuladas em redes que englobam as modalidades: Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Cooperativas de Crédito Solidário e Fundos Rotativos Solidários.


O palco foi utilizado como espaço de afirmação da economia solidária e defesa da democracia / Corbari/Brasil de Fato

- Implantar e continuar o uso da moeda social Feicoop.

- Incidir pela implantação de um Sistema Nacional de Economia Solidária; pela aprovação da Feicoop no calendário oficial nacional de Feiras; pelo reconhecimento de Santa Maria (RS) como capital da economia solidária e pela imediata retomada do Conselho Nacional de Economia Solidária.

- Criar estratégias para o enfrentamento do fascismo, do conservadorismo e das diferentes formas de exploração, opressão e dominação da classe trabalhadora.

- Fortalecer a educação popular e solidária, crítica, política, contextualizada, transformadora e comprometida com a construção da justiça social.

- Incidir em investimentos de natureza cultural, histórica, simbólica pela garantia de valores e princípios da economia solidária, prezando pelo trabalho coletivo, pelo respeito e valorização da diversidade, pela educação popular e pelo fortalecimento da economia solidária como política pública, com investimento estatal e participação popular.

- Fortalecer a educação pública, com investimento público, intensificando a luta pela revogação do Novo Ensino e pela garantia e ampliação de políticas de ações afirmativas no ensino superior. A juventude quer viver!


Evento serviu de ponto de encontro para diferentes pessoas de diversos territórios que comungam dos mesmos sonhos / Corbari/Brasil de Fato

- Construir estratégias voltadas à implantação de um Campus do Instituto Federal Farroupilha que, em sinergia com a Universidade Federal de Santa Maria, atue para dar suporte à criação e desenvolvimento de cooperativas e empreendimentos de economia solidária, em consonância com três vetores principais: a) políticas de reforma agrária e de segurança alimentar e nutricional sustentável; b) quarta revolução industrial, considerando o uso consciente e responsável da tecnologia de ponta a serviço da vida e da sustentabilidade ambiental; c) a potência da arte e da cultura brasileira.

- Resgatar os 30 anos de Feicoop, com publicação em uma revista da Feira que integre registros e depoimentos históricos de pessoas, grupos e organizações que vêm construindo a Feicoop ao longo desses 30 anos.


Edição: Marcelo Ferreira