Rio Grande do Sul

VIDA DAS MULHERES

Artigo | Dia da Mulher Negra Afro Latino-Americana e Afro Caribenhas

No Dia de Tereza de Benguela, reafirmamos que o racismo e o machismo matam

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Neste momento de retomada e reconstrução de políticas públicas ancoradas nos direitos humanos e no enfrentamento das iniquidades sociais, é inadmissível continuarmos aceitando este cenário marcado por desigualdades" - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

No dia 25 de julho de 1992, aconteceu em San Domingos, República Dominicana, o I Encontro de Mulheres Afro Latino-americanas e Afro Caribenhas, que se tornou um marco na luta das Mulheres Negras. Desde então, Mulheres Negras da América Latina e do Caribe têm tornado cada vez mais visível essa data como momento importante para as reivindicações e mobilização sobre a opressão de gênero e raça. 

“Nós Mulheres Negras marcadas pela luta contra o jugo colonial, a escravidão e o racismo agravadas pela iniquidade de gênero e exploração de classe social celebramos 25 de julho, Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe, como símbolo de (re) união e de (re) conhecimento mundial de nossas histórias de vida guerreira, combativa e imprescindível à construção de um mundo solidário, multiétnico e pluricultural”. Este dia é mais do que uma data comemorativa, representa a luta pelo empoderamento das Mulheres Negras. Representa o enfrentamento de múltiplos desafios colocados na trajetória política das Mulheres Negras, alguns novos, mas a maioria deles já são conhecidos e veem sendo enfrentados ao longo de muitos anos. É possível afirmar, então que, estes desafios não têm sido suficientes para impedir a luta e a mobilização. “Nós Mulheres Negras acreditamos que, além de buscar conhecer profundamente cada detalhe de cada ação, de cada projeto, de cada programa, de cada política, de cada governo é fundamental ter ao nosso alcance ferramentas para análise crítica, para o debate e proposição de alternativas que desenhe horizontes de justiça.”

No Brasil, o dia 25 de julho, tem como nome Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência - Tereza de Benguela foi uma Quilombola que viveu no século XIX. Após a morte de companheiro, tornou-se líder do Quilombo do Piolho e durante duas décadas liderou mais de cem negros e indígenas. 

No Dia de Tereza de Benguela, reafirmamos que o racismo e o machismo matam. Matam quando violenta sexual, física e psicologicamente os seus corpos. Segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 61,1% das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil são negras bem como segundo dados do Dossiê de Assassinatos e Violência contra Pessoas Trans de 2022 da Antra o 79% das vítimas de transfeminicídio são travestis e mulheres trans negras.  

Matam quando silenciam mulheres, quando reduzem políticas públicas de proteção social, quando ameaçam e destroem o clima, quando colocam em risco suas vidas e dos seus filhos. Matam quando rompe direitos conquistados, desqualifica as ações executadas por mulheres em qualquer campo de atuação, quando impõem condições salariais baseadas em gênero e raça, quando ataca direitos sociais, trabalhistas, de educação, de saúde, de segurança, dentre outros. 

Mata quando ignora nossas demandas, nossas vozes e denúncias. Matam quando nos invisibilizam na construção das políticas públicas e nos reduzem a números e dados estatísticos. As mulheres são 51% da população, sendo 27% mulheres negras. Ainda assim, são minoria nos espaços de decisão e são vítimas constantes de violência política. 

O racismo estrutural e institucional mata e aprofunda as desigualdades sociais e iniquidades. As mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego, pela pobreza e pela fome! Sã as mulheres, sobretudo as mulheres não brancas, que ocupam os postos de trabalho mais precarizados e são responsabilizadas pelo cuidado não remunerado. Ainda, a fome tem gênero no Brasil, fenômeno que economistas têm denominado como feminização da fome, 60% das mulheres estão em situação de insegurança alimentar, sendo a maioria negras. 
 
Por certo, não há dúvidas de que as mulheres pretas têm dificultado o acesso à saúde, têm suas dores minimizadas pelos profissionais de saúde, recebem menos atenção ao buscarem tratamento médico, são negligenciadas em suas queixas e são vítimas potenciais de violência obstétrica. 

Assim como não é uma novidade que as políticas públicas para o enfrentamento ao HIV e Aids têm negligenciado de forma importante as questões relacionadas às desigualdades de gênero e seus impactos no cenário da epidemia. Ao longo dos anos, estamos assistindo o recrudescimento das pautas fundamentalistas e conservadoras que impactam de forma contundente às garantias dos direitos humanos e em especial, os direitos humanos das mulheres e o enfrentamento aos contextos de violências imbricados pelo racismo, machismo e a misoginia.  

O advento da pandemia de Covid-19, evidenciou a importância de compreendermos o impacto das desigualdades de gênero, de raça, cor, econômicas e sociais no processo de adoecimento, risco e morte dos sujeitos. A Aids e a tuberculose há muito já nos apontavam o quanto as epidemias não são democráticas e atingem, de forma singular, grupos historicamente excluídos e minorias, entre elas, as mulheres, especialmente as mulheres negras. 

A similaridade de alguns indicadores e dados epidemiológicos de HIV e Aids e Covid-19 evidenciam este cenário. Segundo estudo de 2020, o Brasil ostentava 77% dos óbitos de gestantes por Covid-19, do mundo, sendo a taxa de mortalidade entre mulheres negras o dobro da taxa das mulheres brancas. Quando comparamos este cenário com o retratado pelo Boletim Epidemiológico de HIV e Aids 2022, percebemos similaridades importante. Segundo o Boletim há um predomínio de casos de infecção pelo HIV entre gestantes não brancas, sendo que 51,8% se autodeclaram pardas e 13,7% pretas.

Ainda, apesar das infecções entre mulheres terem demonstrado um decréscimo nos últimos anos, desde 2009, os casos de Aids são mais prevalentes em mulheres negras e a percentual de óbitos entre mulheres negras foi de 59,4%. Os dados do boletim epidemiológico de Sifilis de 2022 corroboram este cenário, entre as mulheres gestantes diagnosticadas com sífilis 11,9% eram negras e 53,3% pardas. Além disto, travestis e mulheres trans negras são discriminadas e tem menos acesso à serviços de saúde e estratégias de prevenção ao HIV e outras ISTs e, consequentemente, menor expectativa de vida. 

A convergência destes cenários tangibilizam o quanto os contextos de vulnerabilidade imbricados pelo machismo, racismo e o cissexismo são determinantes no processo de adoecimento e morte das mulheres. 

O machismo e o racismo matam todo dia. e matam também de Aids!  

A compreensão da interseccionalidade entre gênero, classe e raça e sua relação com uma maior vulnerabilidade ao HIV e Aids, Sífilis, hepatites Virais e tuberculose indica a urgência de uma agenda articulada com os outros movimentos sociais, buscando construir feminismos cada vez mais fortes. 

Neste sentido, o Coletivo Feminista de Luta Contra a Aids Gabriela Leite busca a ampliação deste debate junto ao movimento social de luta contra o HIV e Aids e os demais atores sociais, e reafirmar o seu compromisso de incidir de forma propositiva na construção de políticas públicas emancipatórias que confrontem o machismo, do racismo, da LGBTQIANP+fobia e as desigualdades de classe. 

“Quando as Mulheres Negras se movem, o mundo inteiro se move conosco.” Essa importante afirmação da filósofa e ativista Angela Davis está se tornando cada vez mais real e objetiva para as Mulheres Negras no mundo todo. 

Neste momento de retomada e reconstrução de política públicas ancoradas nos direitos humanos e no enfrentamento das iniquidades sociais, é inadmissível continuarmos aceitando este cenário marcado por desigualdades! 

Um futuro mais igualitário para todas, todes e todos passa inexoravelmente pela construção de políticas públicas que priorizem as mulheres negras! 

* Cleide Jane Figueiró de Araújo – Duque de Caxias – RJ
Maria Noelci Homero – Porto Alegre/RS
Sueli Maria do Nascimento – Belo Horizonte/MG
Carla Almeida – Porto Alegre/RS
Marcia Leão – Porto Alegre/RS

** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko