Rio Grande do Sul

Entrevista

Espetáculo Meretrizes coloca em cena a prostituição feminina no Rio Grande do Sul 

O Brasil de Fato RS conversou com Camila Bauer, diretora do espetáculo de teatro documental que estreia hoje na Capital

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"A grande maioria está nesta profissão por escolha e deve ser respeitada em todos os sentidos possíveis", afirma a direitora de Meretrizes - Foto: Laura Testa

Durante quase um ano, a diretora Camila Bauer e a atriz Liane Venturella conversaram com dezenas de profissionais do sexo para construir o roteiro e a dramaturgia do espetáculo Meretrizes. Com trilha sonora executada ao vivo pela pianista Catarina Domenicci, a produção utiliza uma linguagem pouco explorada nas artes cênicas locais, o teatro documental.

Parte dos depoimentos colhidos durante a pesquisa vão ser projetados em áudio ou vídeo durante as apresentações. Os relatos abordam diferentes fases de uma das primeiras profissões do mundo e da capital gaúcha também: a prostituição no porto, os cafetões da Praça da Alfândega, os ataques da polícia contra a "vadiagem" e a exposição de corpos como objetos de desejo na internet. O que nunca mudou foi o preconceito. 

Monique Prada fala sobre uma das profissões mais estigmatizadas da história da humanidade

Duas profissionais do sexo com diferentes visões dessa atividade também estarão sobre o palco: a jovem Paula Assunção e Soila Mar, que atua há mais de 40 anos nas ruas da cidade. O caráter performático busca fazer o espectador perceber como estamos próximos dessas realidades, cotidianamente silenciadas. 

As sessões de estreia de Meretrizes, com entrada franca, vão acontecer neste fim de semana. Iniciam nesta sexta-feira (1º) e vão até domingo (3), sempre às 19h, no Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco Eva Sopher, espaço localizado na área do Theatro São Pedro, centro de Porto Alegre.

Confira a entrevista exclusiva da diretora Camila Bauer para o Brasil de Fato RS:

Brasil de Fato RS  - Como surgiu esse projeto: levar à cena a realidade das profissionais do sexo no estado?

Camila Bauer - Acho que surgiu muito da nossa vontade de conhecer mais a fundo essas realidades, conhecer essas mulheres, gerar um espaço nas nossas vidas pra ouvi-las, pra conversar com elas. A Catarina Domenicci e eu já estávamos com um projeto há anos de misturar teatro e piano para contar histórias de mulheres que tantas vezes não são (não somos) ouvidas. Um projeto para ouvir e fazer confissões também.

Conversando com a Liane, vimos que tínhamos muitas vontades em comum e achei que tinha que ser ela para dar vida a tantas mulheres. Seria a pessoa com a sensibilidade perfeita para ouvir e criar em cena pessoas tão complexas e fascinantes.

Meretrizes nasceu desta junção de vontades artísticas e também do desejo de estar ao lado destas mulheres maravilhosas para dialogarmos com tantas outras mulheres maravilhosas.


Catarina Domenici e Liane Venturella / Foto: Laura Testa

BdFRS - Quantas mulheres foram ouvidas pela equipe? Quais questões foram mais frequentes nos relatos revelados a vocês?

Camila - Reunimos relatos de cerca de vinte mulheres, além de assistir a muitos documentários sobre a vida de profissionais do sexo. Contamos com a Juliana Wolkmer, que é historiadora e artista, para encabeçar esta parte do contato com as meninas para as entrevistas. Ela foi encontrando os caminhos e as pessoas certas, de modo que algumas delas se tornaram grandes colaboradoras deste trabalho.

O aspecto mais frequente que ouvimos foi a afirmação de que são mulheres como todas nós, com vidas comuns e subjetividades que precisam ser respeitadas. São mães, filhas, irmãs, amigas, esposas, que tem o sexo como profissão. A grande maioria está nesta profissão por escolha e deve ser respeitada em todos os sentidos possíveis.

Tensionar o terreno ficcional, que é o do teatro, com a experiência do real

BdFRS - A atriz Liane Venturella interpreta vários trechos dos depoimentos colhidos durante a pesquisa. Por que você decidiu levar ao palco duas profissionais do sexo?

Camila - Porque, ao conhecer estas mulheres, senti muita vontade de levar pra cena o testemunho vivo de quem trabalha com sexo. Quis tensionar o terreno ficcional, que é o do teatro, com a experiência do real que o espectador terá ao poder dialogar diretamente com essas profissionais, geralmente tão pouco ouvidas na nossa sociedade.

Queremos que os espectadores sintam um pouco do que nós sentimos ao conversar com elas. Igualmente, as personagens que a Liane faz são todas baseadas nas entrevistas, são mulheres que ela compõe preservando ao máximo o aspecto documental do trabalho.

BdFRS -  Sendo uma mulher, você definiria esse projeto como uma jornada de descobertas?  

Camila - Com certeza! Foi uma quebra de paradigmas muito grande pra todas nós. E também um exercício enorme de nos colocarmos no lugar das mulheres que entrevistamos, de tentarmos adentrar suas vidas.  

A Liane compõe em cena várias das mulheres que ouvimos, foi um lindo exercício de observação e escuta. Tudo o que dizemos em cena é baseado nas entrevistas que fizemos e nas mulheres que conhecemos neste processo. Foi tão transformador, que quisemos levá-las pra cena também.

BdFRS -  Você acha que ainda há um longo caminho para as mulheres serem totalmente livres?

Camila Bauer - Com certeza. Estamos ainda muito longe disso.


Edição: Marcelo Ferreira