Rio Grande do Sul

ENSINO ANTIRRACISTA

Quase metade das cidades do RS não possui norma de implementação de ensino de história e cultura afro

Execução da legislação foi tema de seminário nacional sobre os 20 anos do Art. 26-A da LDBEN, na Assembleia gaúcha

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ex-ministra, Nilma Lino Gomes foi uma das palestrantes no encontro - Foto: Thiago Ferraz / Atricon/Divulgação

Após 20 anos de um importante avanço na luta antirracista no país, a conquista do Art. 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) a partir de mobilização do movimento negro e indígena brasileiro, embora tenham ocorrido alguns progressos, a aplicação efetiva ainda enfrenta desafios.

No Rio Grande do Sul, 46,68% dos municípios não criaram normativa relativa à implementação da legislação, que foi sancionada no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003, e tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, sendo elas públicas ou particulares, desde o ensino fundamental até o ensino médio.

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Nesta quinta-feira (26), autoridades e especialistas no estudo de relações étnico-raciais se reuniram em Porto Alegre para debater entraves e possibilidades de avanço na fiscalização dessa norma. O seminário nacional “20 anos do Art. 26-A da LDBEN – fiscalização e desafios da educação antirracista” ocorreu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O evento foi promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com o apoio do Departamento de Educação e Desenvolvimento Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).

Conferência de abertura

Convidada para ministrar a conferência de abertura do evento, a ex-ministra, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Educação e doutora em Ciências Sociais e pós-doutora em Sociologia, Nilma Lino Gomes, destacou a resistência no campo educacional na implementação de ações antirracistas.

“É uma prova do quanto o campo educacional ainda resiste a implementar ações, práticas e políticas antirracistas. E, principalmente, na compreensão de que essa é uma forma de atingir essa educação democrática. Mas quero fazer um importante alerta: ser antirracista é agir no combate ao racismo onde quer que se manifeste, não apenas na escola, não apenas na educação”, enfatizou.

Para ela essa mudança se dará no momento em que pessoas negras e indígenas ocuparem cargos com poder de tomada de decisão dos rumos das políticas públicas educacionais.

A conferência foi mediada por Jorge Terra, procurador do estado do RS, que preside a Comissão Especial da Verdade sobre a Escravidão Negra da seção regional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) e integra do Grupo de Trabalho 26-A (GT 26-A).

Grupo de Trabalho 26-A

O evento também marca os dez anos do GT 26-A, uma iniciativa pioneira que configura um alinhamento de esforços entre a sociedade civil e instituições fiscalizadoras e de ensino. Formado por profissionais de instituições de ensino superior, auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e profissionais de outras instituições públicas, o grupo vem atuando no planejamento e na execução de atividades de orientação e controle da implementação das ações voltadas ao cumprimento do dispositivo legal pelos municípios e pelo estado.

No primeiro painel da tarde, a auditora de controle externo do TCE-RS Andrea Mallmann Couto e a coordenadora do Uniafro/Ufrgs, professora Gládis Elise Pereira da Silva Kaercher, trataram sobre temas como os resultados e levantamentos realizados junto às prefeituras municipais do Rio Grande do Sul, o processo de construção do Grupo de Trabalho 26-A (GT 26-A), e a responsabilidade das instituições nesse processo de estímulo à educação antirracista. A mediação ficou por conta da professora Leonice Mourad, que representou o Ministério da Igualdade Racial (MIR) no evento.

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Andrea, em sua inserção, apresentou alguns dados preocupantes levantados por pesquisa do GT 26-A relativos ao ano 2020, coletados por meio de questionário respondido pelos Controles Internos Municipais no Portal do TCE-RS. Dos 497 municípios, apenas 19 não atenderam a requisição de informações do tribunal. Os municípios foram questionados sobre a normatização da implementação do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena (Artigo 26-A da LDBEN), prospectando a abordagem do assunto em três instrumentos normativos: (1) norma própria do Executivo Municipal, (2) norma do Conselho Municipal de Educação e (3) Plano Municipal de Educação.

Segundo o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, os governos municipais devem instituir nas secretarias municipais de educação equipes técnicas permanentes para os assuntos relacionados à diversidade, incluindo a educação das relações étnico-raciais, dotadas de condições institucionais e recursos orçamentários.

Baixo índice de implementação nos municípios

Dos municípios que responderam, 232, ou seja 46,68%, informaram que não possuem nenhuma normativa. "Isso se dá por ausência de colaboração entre o estado e os municípios para concretização do Plano Estadual de Implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino das Histórias e Culturas Africanas, Afro-brasileiras e dos Povos Indígenas", afirma Andrea.

Ainda segundo ela, apenas 32 (6,44%) responderam possuir um setor e 22 (4,43%) informaram possuir equipe técnica permanente com a atribuição específica de orientar, coordenar e controlar a educação das relações étnico-raciais e o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas municipais. "Em 424 municípios (85,31%) não há equipe técnica responsável pela implementação das determinações do Artigo 26-A da LDBEN", pontua Andrea.

A auditora traz também que apenas 36 municípios (7,24%) responderam afirmativamente à questão sobre a existência de recurso orçamentário específico e exclusivo para a execução de política pública de educação das relações étnico-raciais e ensino da cultura e história africana, afro-brasileira e indígena. "Quando, independentemente da existência de previsão orçamentária específica, questionou-se sobre se, dos recursos orçados para a Função Educação, algum montante foi destinado para o cumprimento do artigo 26-A da LDBEN no exercício de 2020, solicitando-se que informassem o valor liquidado no exercício de 2020, o número de respostas afirmativas foi ainda menor: 34 (6,84%)", complementou.

Disse ainda que, diante destes dados, a maioria dos municípios considera que estão implementando a política pública. "Dentre esses 34 municípios, 79,41% destinaram menos do que R$ 12.121,39 no ano especificamente para o cumprimento do art. 26-A da LDBEN. O maior valor informado foi de R$ 59.526,98, de um município da região Metropolitana. Um valor muito inferior ao necessário para a implementação da política", afirmou.

O estudo verificou um atraso no cumprimento do Plano Estadual de Implementação das Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino das Histórias e das Culturas Afro-Brasileiras, Africanas e dos Povos Indígenas. "Desta forma solicitamos em 2022 à Seduc (Secretaria Estadual de Educação) e ao CEEd (Conselho Estadual de Educação), sem prejuízo de outras iniciativas, que apresentem a esta Corte de Contas, no prazo de quatro meses, plano de ação exequível para implementar e monitorar o que foi estabelecido no Plano Estadual de Implementação das Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino das Histórias e das Culturas Afro-Brasileiras, Africanas e dos Povos Indígenas, contendo no mínimo as estratégias, as ações, os responsáveis, os prazos e as metas de resultados a serem alcançadas. Mas, até agora não obtivemos retorno desta solicitação", afirmou Andrea.

Segundo o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, os governos municipais devem instituir nas secretarias municipais de educação equipes técnicas permanentes para os assuntos relacionados à diversidade, incluindo a educação das relações étnico-raciais, dotadas de condições institucionais e recursos orçamentários. 


Edição: Marcelo Ferreira