Rio Grande do Sul

LONGE DO REAL

A cidade ideal dos Saltimbancos

Conferência pró-revisão do Plano Diretor de Porto Alegre propôs estratégias para atingir objetivos da cidade ideal

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Parece que a cidade ideal projetada pela conferência, como a dos Saltimbancos, é só a ideal" - Foto: Alex Rocha/PMPA

Os pais e avós devem ter, algum dia, cantado com suas crianças a cidade ideal dos cachorros, gatos, galinhas e burros, ficção, de brincadeira, que Chico Buarque criou em Os Saltimbancos. A cidade real é outra e bem distante da cidade cantada. A conferência de três dias pró-revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, na semana passada, propôs as estratégias para atingir objetivos da cidade ideal. Estavam lá empresários, funcionários de suas empresas, funcionários da prefeitura, arquitetos e representantes de entidades e sindicatos.

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O evento listou inúmeras estratégias para alcançar a cidade ideal. Para atingir a menor produção do efeito estufa, menor distância entre a casa e o trabalho e o lazer, cidade de atividades miscegenadas, cidade arborizada, com ocupação dos vazios urbanos, onde os serviços públicos já existem e são subaproveitados, respeito e integração com a zona rural, tratamento igual para todas as zonas da cidade, respeitando suas vocações, cidade com densificação racional, para não esticar todos os serviços públicos a quilômetros de distância, a cidade econômica e ecológica. Feliz. E alegre.

O secretário Germano Bremm e sua equipe fizeram um bom trabalho para ilustrar a cidade ideal. Dessa forma e, por coerência, a distante Área do Arado nunca vai deixar de ser área rural, nunca vai ser uma cidade espichada até lá. Não vai, ela, deixar de ser uma área tão necessária para acolher cheias, não vão precisar fazer enormes aterros. Até porque, por ação judicial, aquela votação da aprovação da proposta de urbanização foi anulada e porque, também, os funcionários públicos da PMPA, conselheiros do CMDUA que, naquela ocasião, votaram a favor da cidade espichada, agora, com certeza, depois dessa conferência, mudaram de ideia. 

Enfim, parece que a cidade ideal projetada pela conferência, como a dos Saltimbancos, é só a ideal. A real está muito distante e seus moradores, esses que lotam os ônibus, por horas, para chegar a suas casas cada vez mais distantes, esses que não podem pagar por apartamentos em prédios privilegiados, dos projetos especiais, cada vez menos exceções, esses não estavam lá, com certeza não, para protestar contra a cidade fictícia, que não os contempla. Ou, pelo menos, para rir. Rir da hipocrisia.

* Engenheiro civil, bacharel em Filosofia, coordenador do programa Senge Solidário do Sindicato do Engenheiros no RS

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Marcelo Ferreira