Rio Grande do Sul

CONSCIÊNCIA NEGRA

Marcha Independente Zumbi e Dandara reivindica o direito à cidade em Porto Alegre

Milhares caminham na Capital 'Pelo poder ao povo preto, por nossa identidade afro-gaúcha e pelo direito à cidade'

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Marcha Independente Zumbi Dandara marcou o Dia da Consciência Negra em Porto Alegre - Foto: Jorge Leão

Manifestantes vão às ruas da capital gaúcha denunciar as desigualdades e a falta do bem-estar urbano das cidades gaúchas que sofrem o descaso da administração pública diante das consequências das enchentes no estado. A Marcha Independente Zumbi e Dandara em Porto Alegre reuniu integrantes de entidades do movimento negro, partidos políticos, movimentos populares e sindicatos na Esquina Democrática, no Centro.

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Com concentração iniciada às 17h, e conclusão no Largo Zumbi dos Palmares por volta das 21h, o ato foi marcado por apresentações artísticas, com a encenação da luta dos Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos, e por uma série de reivindicações. Entre as pautas, manifestações por uma educação antirracista, contra a privatização de presídios no estado, contra o encarceramento da juventude negra, pelo direito à cidade, entre outras.


A Cia de Danças e Ritmos Afro-brasileiros Brazil Estrangeiro realizou uma apresentação reivindicando a memória dos Lanceiros Negros mortos no Massacre de Porongos / Foto: Jorge Leão

Parlamentares da Bancada Negra gaúcha participaram da marcha

O ato é realizado todos os anos no 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, e defende um projeto de vida para a população negra brasileira. “A cada ano nós precisamos levantar as bandeiras políticas mais urgentes para a nossa população, aqui em Porto Alegre tinha a questão do poder ao povo negro e o direito à cidade. Olhar para a segregação territorial, a situação das periferias, a crise ecológica que hoje atinge as ilhas, os bairros mais pobres, o acesso a transporte, a educação e pensar resolução disso através de um programa antirracista”, afirma o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL).

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As palavras de ordem deste ano foram “Pelo poder ao povo preto, por nossa identidade afro-gaúcha e pelo direito à cidade!”. “Essa foi a essência do chamado hoje, eu acho que está corretíssimo, porque nós estamos na luta para reconstruir o Brasil após os anos de bolsonarismo, em que as liberdades democráticas correram risco, para nós elas sempre foram pequenas, mas a resolução agora para reconstruir o Brasil ela tem que vir da população negra que é a maioria”, complementa Matheus.

“Infelizmente, é o povo negro que ainda marcha. O 20 de novembro não é uma data em que o povo negro comemora, é uma data marcada para a sociedade refletir. Eu tenho certeza que nosso estado tem refletido. A chegada dessa bancada negra na Assembleia Legislativa é um pouco dessa reflexão, sendo que é a ocupação, também, dos espaços políticos de poder”, ilustra a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB).

Segundo ela, a sociedade precisa refletir muito mais sobre as desigualdades entre os segmentos sociais e sobre quais os rumos que nós vamos ter. “Nós somos o quarto estado que mais mata mulheres. E quando nós estamos falando de mulheres, nós estamos falando de mulher preta. Nós somos ainda um dos estados mais segregados do país. Um dos piores lugares para ser uma pessoa preta ou para criar um filho preto. Então, quando a gente fala do nosso estado, ou quando a gente fala dessa data, a gente está falando de um povo que ainda luta para ter o direito de viver com o mínimo de dignidade”, conclui a deputada.

Ontem (20) a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia aprovou, em reunião extraordinária, de forma conclusiva, o projeto de lei 91/2023 que inclui no calendário oficial de eventos e datas comemorativas do estado a Semana da Consciência Negra de 14 a 20 de novembro.

“Hoje foi um dia muito importante, nós aprovamos essa legislativa, a Semana da Consciência Negra. E amanhã, se tudo der certo, vamos aprovar também o dia em comemoração ao primeiro herói negro da história do Rio Grande do Sul, que é o Manuel Padeiro, Zumbi dos Pampas, um projeto de lei de minha autoria. E que tem a ver com a recuperação da história, através de símbolos também, sobre a participação do povo negro na construção da história do Rio Grande do Sul”, salientou a deputada estadual Laura Sito (PT).

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Para ela, o dia 20 de novembro é uma data central na denúncia do que é o racismo estrutural no Brasil. “A gente poder estar nas ruas marchando tem uma magnitude muito grande de denúncia, mas também de conscientização. Se mobilizar, andar pelas ruas, denunciar que o povo negro desse país tem negado diariamente o seu direito à cidadania. Isso significa não poder acessar bens e serviços, significa andar pelas ruas e poder ser morto pelo poder do Estado. É algo que é muito grave e dá a dimensão do que é o que a gente vive. Então, o 20 de novembro é uma data fundamental. Fico feliz que ele seja uma data no Brasil todo e luto para que ele possa ser feriado no Brasil todo”, afirma Laura.

Movimento estudantil comemora a nova Lei das Cotas

Na avaliação do estudante Alejandro Guerrero, novo presidente da União Estadual de Estudantes (UEE-UNE), a mobilização do movimento negro traz mudanças significativas para a juventude negra.

“A gente está lutando, na verdade, tivemos uma baita conquista, que é a renovação da política de cotas, fruto dessa mobilização das ruas, em defesa da educação, mas também pela permanência, garantindo que o nosso povo preto, que entra na universidade, saia com o diploma na mão. Temos um sonho, em especial nós que somos os primeiros das nossas famílias na universidade, a retornar com esse diploma que é a representação dos nossos sonhos e de várias gerações que tiveram esse direito negado”, avalia.


"Até hoje nós sofremos por sermos negros", afirma a aposentada Lúcia das Graças Lima Moraes, moradora da ocupação 20 de novembro. / Foto: Katia Marko

Já a aposentada Lúcia das Graças Lima Moraes, que faz parte do Fórum das Mulheres Pretas da Economia Solidária, ressaltou a importância da data para a valorização da representatividade negra. “Deveríamos ter mais dias como esse, pois até hoje nós sofremos por sermos negros, nada mais reflete a minha tristeza por termos que continuar lutando pelos nossos direitos”, afirma.


O Coletivo pela Igualdade Racial do Sindjus participa ativamente da organização do Novembro Negro / Foto: Katia Marko

Segunda edição do prêmio Oxé Xangô

O Novembro Negro Unificado Antirracista será encerrado com a entrega do prêmio Oxé Xangô em homenagem aos griots ou griottes, que são guardiões da tradição do povo negro. Prevista para ocorrer no dia 30 de novembro, às 19h, a cerimônia ocorrerá na quadra da Sociedade Beneficente Cultural Bambas da Orgia (Rua Voluntários da Pátria, 1387, no bairro Floresta), em Porto Alegre.

A honraria foi concebida pelo Grupo de Trabalho de Cultura da articulação política que reuniu mais de 40 entidades dos movimentos negro, social, sindical, estudantil e da juventude. Será destinada a mulheres e homens negros com mais de 60 anos que têm ou tiveram atuação destacada em 12 segmentos: Artes Visuais, Atuação Política, Comunicação, Direito, Educação, Esportes, Liderança Comunitária, Literatura, Música, Religiosidade, Saúde e Sindical.

O troféu foi criado pelo artista plástico Pedro Salles. Esculpido em madeira, simboliza Xangô, o orixá da justiça.

Confira os premiados:

Artes visuais - Irene Santos, fotógrafa, dedicada a produção de imagens especialmente à pesquisa da história e da cultura afro-brasileira.

Atuação Política - Felipe Teixeira, foi conselheiro do Codene e do Conselho do Povo de Terreiro. Um dos fundadores da setorial estadual da segurança do PT. Foi da diretoria da Ugeirm.

Comunicação - Renato Dornelles, formado em Jornalismo pela PUCRS em 1986. Foi repórter, editor, colunista, apresentador, comentarista e âncora em veículos da RBS. É autor dos livros-reportagem Falange Gaúcha; Paz nas Prisões, Guerra nas Ruas; e do romance A Cor da Esperança.

Direito - Onir de Araújo, advogado e geólogo. Assessora vários sindicatos e atua junto junto à OLPN - Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas - Seção RS, com destaque para o Quilombo da Família Silva primeiro Quilombo Urbano titulado da país, no ano de 2009. Dá suporte aos onze Territórios Quilombolas em Contexto Urbano de Porto Alegre.

Educação - Iara Deodoro, a matriarca Mestra Iara Deodoro é uma referência no sul do Brasil quando se fala em dança afro-gaúcha. Fundadora do Grupo Afro-Sul de Música e Dança, criado em 1974. É a mulher à frente do Afro-Sul Odomode, renomado espaço que acolhe e difunde a arte dos tambores, o maracatu, as manifestações populares.

Esportes - Alci Martha de Freitas, o Kim tem 90 anos. Iniciou sua carreira esportiva, em 1953, no Clube de São Leopoldo Aimoré. A partir de 1958 passa a atuar no Sport Club Internacional, até o ano de 1962. Sofre uma lesão na cabeça, perdendo temporariamente a visão, afetando alguns reflexos. Torna-se então treinador de futebol no Rio Grande. Encerra sua carreira como professor de futebol para crianças e adolescentes do sexo feminino e masculino, dentro das comunidades e no Colégio Anchieta.

Liderança Comunitária - Maria da Graça da Silva Amaral, 73 anos, é a quinta geração da família que hoje em dia configura a comunidade remanescente quilombola Gregório Amaral, sendo Maria da Graça uma das fundadoras da Associação que representa a comunidade. Servidora pública federal trabalhou por 35 anos na FURG.

Literatura - Lilian Rocha, farmacêutica e Analista Clínica. É autora dos livros A vida pulsa - poesias e reflexões; Menina de tranças; coorganizadora da Antologia Sopapo Poético - Pretessência. Membro da Comissão sobre a Verdade da Escravidão do RS - OABRS. Conselheira da Associação Negra de Cultura. Acadêmica da Academia de Letras do Brasil.
Membro do Mulherio das Letras, do Coletivo Poemas à Flor da Pele, do Movimento Nacional Elos Literários e do Coletivo Arte Negra. Recebeu o Prêmio Mulher Cidadã, da Câmara Municipal de Porto Alegre, neste ano.

Música - Claudio Custódio dos Santos - Cláudio Barulho, há 65 anos atuando como músico profissional. Começou sua carreira em 1960 como baterista amador e percussionista na extinta orquestra do mestre Vademiro. A primeira casa noturna que trabalhou foi o Batelão. Em 2005 foi convidado pela Fran Discos a participar do CD de sambistas do Sul.

Religiosidade - Mãe Ieda de Ogum, dirigente do Ilê Nação Oyó, iniciou sua trajetória religiosa na década de 1960, com a sua Yalorixá Mãe Isaura de Oya. Em 1964, com a autorização e benção de sua Mãe de Santo, Mãe Ieda inaugura sua casa de religião, juntamente com seu esposo, Pai Miguel de Oxum. Mãe Ieda, como outros chefes espirituais carrega a bandeira da religião Afro-brasileira por todo o Rio Grande do Sul e exterior, atravessando fronteiras, levando ao Uruguai e Argentina. Há muitos anos dedica-se a prestar auxílio às pessoas em situação de vulnerabilidade.

Saúde - Maria Geneci Macedo da Silveira, foi a primeira negra a entrar com servidora no Grupo Hospitalar Conceição, como técnica em enfermagem, isto em 1975. Faz parte da Ceppir - Comissão Especial de Políticas de Promoção da Igualdade  Racial do GHC. A Comissão desenvolveu a ampliação de cotas pra afrodescendentes de 10% para 20% nos processos públicos do hospital. Conseguiram incluir as religiões afro-umbandistas no Espaço Inter-religioso do GHC.

Sindical - Rejane de Oliveira, professora, especializada em alfabetização. Atua no movimento sindical desde a década de 1990. Foi integrante da direção do Sinpro-RS - Sindicato dos Professores da Rede Privada. Foi presidenta do Cpers - Sindicato dos Professores do RS por duas gestões, sendo a primeira mulher negra a ocupar esse cargo.
Atualmente está como Coordenadora da Central Sindical e Popular - CSP Conlutas RS; e da Coordenação nacional desta mesma entidade. Atua no MML - Movimento de Mulheres em Luta.

Veja imagens da manifestação


Críticas à escravidão marcaram a caminhada / Foto: Jorge Leão


Juventude marcou presença na marcha / Foto: Jorge Leão


Lideranças da Frente Negra Gaúcha / Foto: Jorge Leão


 As jornalistas Vera Daysi Barcellos e Jeanice Ramos representaram o Núcleo de Jornalistas e estudantes Afro-Brasileiros do Sindjors / Foto: Jorge Leão


Concentração e ato iniciou na Esquina Democrática / Foto: Jorge Leão


A nova Lei de Cotas foi lembrada em cartazes / Foto: Jorge Leão


 Dirigentes do Sindbancários também participaram com sua faixa / Foto: Jorge Leão


 Movimento Vidas Negras Importam chamou a atenção com sua performance / Foto: Jorge Leão


 Faixa do Cpers Sindicato demarcava posição por uma Educação sem Racismo / Foto: Jorge Leão


 Muitos participantes levaram seus próprios cartazes / Foto: Jorge Leão


Estudantes da pós-graduação da Ufrgs também participaram / Foto: Jorge Leão


Cartazes destacavam a violência policial / Foto: Jorge Leão


Diversos movimentos e forças políticas levaram suas faixas / Foto: Jorge Leão


O som dos tambores e a alegria marcaram a caminhada / Foto: Jorge Leão


Quilombolas presentes / Foto: Jorge Leão


Levante Popular da Juventude levou sua bateria para a avenida / Foto: Jorge Leão


 38º Núcleo do Cpers estava presente / Foto: Jorge Leão


Grupo encenação a luta dos Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos / Foto: Jorge Leão


Grupo encenou a luta dos Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos / Foto: Jorge Leão


Mulheres da economia popular e solidária estavam presentes / Foto: Jorge Leão


 Diversos sindicatos participaram da caminhada / Foto: Jorge Leão


Diversos sindicatos participaram da caminhada / Foto: Jorge Leão


A capoeira foi uma entre as várias expressões culturais que se manifestaram durante a marcha / Foto: Katia Marko


Edição: Katia Marko