Rio Grande do Sul

Educação

Educadores se mobilizam contra pacote da educação encaminhado pelo governo do RS 

Parlamento gaúcho aprovou Marco Legal da Educação e alterações no Conselho Estadual de Educação

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Pacote é aprovado com Assembleia Legislativa cercada e somente 140 pessoas liberadas a entrar nas galerias - Foto: Joana Berwanger/CPERS

Após um dia intenso de mobilização e críticas, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou quatro dos cinco projetos do pacote de mudanças da educação pública proposto pelo governador Eduardo Leite (PSDB). A votação foi marcada por manifestação dos trabalhadores da educação que ressaltam que os projetos afetam à educação estadual gaúcha. A votação que teve início por volta das 15h acabou às 19h com todos os projetos aprovados.

A mobilização teve início ainda pela manhã quando trabalhadores da educação se depararam com gradis, aparato militar e o impedimento de acessarem o Parlamento. Situação que normalizou-se na tarde, por intermédio da oposição, quando se garantiu que 140 pessoas entrariam nas galerias para acompanhar a votação dos deputados.

:: Trabalhadores da educação vão às ruas contra as mudanças propostas pelo governo Leite ::

Os líderes de bancada acordaram que seriam votados hoje todos os projetos de lei (PL) protocolados pelo Executivo estadual em regime de urgência e que passavam a trancar a pauta. Ficou de fora somente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 299/2023), que modifica os artigos 199, 211, 214, 215 e 216 da Constituição estadual e abre caminho para o processo de municipalização do Ensino Fundamental.

Ao serem liberados para acompanhar votação, os trabalhadores e apoiadores da educação levaram cartazes denunciando os retrocessos que o pacote traria, parlamentares da base aliada do governo do estado criticaram as manifestações.


Trabalhadoras da educação puderam acompanhar votação após articulação de deputados / Foto: Caco Argemi/Cpers

Os projetos aprovados são: 

PLC 517/2023 – cria um marco legal para a educação do estado, estabelecendo uma série de princípios, diretrizes e metas. Não define como será feita sua operacionalização.

PL 518/2023 – modifica a lei 9.672/1992, que trata da composição, do funcionamento e das atribuições do Conselho Estadual de Educação.

PL 519/2023 – altera a gestão nas escolas da rede pública estadual com mudanças na composição do conselho escolar, na autonomia financeira e no processo de seleção para diretores.

PL 520/2023 – institui a política estadual de Educação Profissional e Técnica (EPT), cria uma superintendência e estabelece as formas de oferta de EPT e do Curso Normal.

Ao longo do dia, o Cpers Sindicato e apoiadores da comunidade escolar se instalaram em frente à Assembleia Legislativa e ao Palácio Piratini, manifestando contrariedade ao Pacote da Educação. Entre as principais críticas está a constitucionalização de uma municipalização da educação, alterações na composição, no funcionamento e nas atribuições do Conselho Estadual de Educação (CEEd) e o estabelecimento de novas regras para a eleição de diretores nas instituições de ensino.

O ato encabeçado pelo Cpers contou com o apoio e participação de entidades sindicais e movimentos sociais como a CUT-RS, Sindicaixa, Mães e Pais Pela Democracia entre outros, assim como parlamentares da oposição. 

Antes do início da votação que aconteceu por volta das 15h, foi realizada uma manifestação em frente ao Palácio Piratini.

Sindicato barrado na Assembleia

O vice-presidente do Cpers, Alex Saratt, falou ao Brasil de Fato RS sobre o episódio da proibição de entrar na Assembleia. “Chegamos organizados para conversar com os líderes partidários e expor conjuntamente a nossa reivindicação, que é a retirada da urgência dos projetos e já desde cedo tínhamos a informação que a Praça da Matriz estava cercada e a Assembleia inacessível, somente passando ali pela segurança. Após muita negociação se admitiu a entrada da nossa presidente, a professora Helenir, e do nosso jurídico através do doutor Marcelo Fagundes.”

:: Em assembleia, Cpers rejeita propostas encaminhadas pelo governo do estado para a educação ::

“Como se nós fôssemos perigosos, bandidos, tudo gradeado”, critica a diretora do 39º Núcleo do Cpers, Neiva Lazarotto. “Para os empresários eles estendem o tapete vermelho do Palácio Piratini. Para educadores que seguram a escola do nosso povo, eles estão gradeando, impedindo a chegada”, complementa. Ela destaca que o sindicato também pretendia participar de audiência pública que ocorria na Comissão de Educação e debatia a manutenção de uma escola próxima ao Quilombo Kédi, e só conseguiu a partir da intervenção de parlamentares da oposição.

O grande aparato policial acabou se sobressaindo frente a presença reduzida de educadores e apoiadores, quando comparado a outras mobilizações que o Cpers Sindicato promove no local. “Hoje nós temos uma representação de todo o estado porque o governo chama a votação no momento em que nós estamos encerrando o ano letivo, muitos professores fazendo prova, conselho de classe, o que impede que a categoria venha em peso”, explica a presidenta do Cpers, Helenir Aguiar Schürer. 

O presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul (UEE-RS), Alejandro Guerreiro, também critica a votação de projetos que mexem tanto na educação pública em um momento de fechamento de ano. “O método que o Leite tem historicamente de aprovar os pacotes do governo é antidemocrático, não permite que a população participe de fato, a gente está com senhas distribuídas aqui e teve todo um cerceamento durante a manhã de hoje para impedir que o povo acompanhe essa votação”, afirma.


"Hoje nós temos uma representação de todo o estado porque o governo chama a votação no momento em que nós estamos encerrando o ano letivo", ressalta Helenir / Foto: Caco Argemi/Cpers

“Desconhece democracia”

Alex Saratt recorda da intensa mobilização que trabalhadores e trabalhadoras da educação fizeram em contrariedade ao pacote proposto pelo governador. “Já manifestamos em vários espaços e momentos a nossa oposição, contrariedade, e principalmente criticamos o governo, não só pelo conteúdo da PEC, mas também pelo fato de não ter aberto nenhum canal de diálogo, seja com o sindicato, seja com a sociedade”, afirma. Ele pontua que “infelizmente, nem o governador Eduardo Leite, nem a Assembleia Legislativa proporcionaram essa possibilidade de diálogo, negociação e construção de alternativas”.

Helenir avalia que os projetos do Pacote da Educação estão articulados para municipalizar o ensino, atacar o Conselho Estadual de Educação, colocando as resoluções sob aprovação da Secretaria de Educação e interferir na escolha de diretores de escola, retirando opções de escolha da comunidade escolar. “Esse governo, infelizmente, desconhece democracia", critica.

:: ‘A Educação gaúcha está destroçada’, afirma vice-presidente do Cpers, Alex Santos Saratt ::

Para ela, as mudanças propostas servem apenas para alterar as notas do estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Contudo, não mexem na realidade da educação. “A gente pode dizer que nós temos professores e funcionários em extremo sofrimento pela desvalorização, pelo desrespeito que esse governo demonstra para a nossa categoria. Os professores ainda se mantêm no magistério, os nossos funcionários da escola, porque eles acreditam nos nossos alunos, porque eles sabem que é de nós que esses alunos terão o melhor, não do governo”, assegura. 

A mesma crítica é feita pela deputada Sofia Cavedon, que esteve na mobilização. “Há uma perda muito grande de alunos, desistência muito grande de alunos do ensino fundamental para o médio. A intencionalidade do governador é arranjar méritos no Ideb, na avaliação do ensino. Ele foi lá no Nordeste, visitou o Ceará, visitou Pernambuco, o governador visitou, depois uma caravana da Assembleia visitou, eu acompanhei. E trazem pra cá uma cópia esfarrapada”, afirma.


"O governo tem feito manchetes que arrumou essa escola, fez lição de casa, não sei o que, mas é só manchete de uma casca de um ovo vazio", destaca Sofia Cavedon / Foto: Joana Berwanger/CPERS

Investe menos que o mínimo

“O governo tem feito manchetes que arrumou essa escola, fez lição de casa, não sei o que, mas é só manchete de uma casca de um ovo vazio. A gente tem recebido todo dia na Comissão de Educação queixas e pedidos de socorro de escolas semi-interditadas, interditadas e medidas não tomadas”, relata Sofia. Ela ressalta que o governo do estado gasta menos que os 25% exigidos por lei em educação.

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“O Tribunal de Contas apurou, o investimento em 2021 chegou a 15%. Em 2022, 19%. O orçamento desse ano ainda não sabemos o que foi executado, mas para 2024 está previsto 23%. Então, nem o mínimo constitucional de 25%, né”, diz. Para ela, o governo faz ajuste fiscal sobre a educação e os professores e “precisa um método autoritário para tentar impor uma proficiência em testes padronizados”.

Pacote da desesperança

Para a deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), que também foi ao encontro dos educadores antes da votação, “falar sobre esse pacote da educação é falar sobre uma desesperança”. Para ela, a votação é “o ataque mais cruel” enfrentado em seu mandato, “porque é antidemocrático”. “Não leva em consideração a participação popular, ele não leva em consideração nem a escuta dos trabalhadores e das trabalhadoras que constroem a educação no cotidiano”, diz.  

“Nós estamos falando da destruição do Conselho (de Educação), que passa a ser um instrumento subordinado ao governo do estado. Nós estamos falando da gestão da escola que passa a ser uma gestão empresarial, o diretor passa a ter uma capacidade ou uma tarefa mais administrativa, gerencial, não é mais um coordenador pedagógico, não é mais esse que organiza a democracia da escola, ele é um gestor da escola, um gestor privado, com relação inclusive privada”, avalia.

Bruna também avalia como negativa a tramitação dos projetos em regime de urgência. Para ela, “é para impedir que nós possamos fazer esse debate com profundidade. Infelizmente, a Assembleia Legislativa tem sido um balcão de intermediação entre os projetos do Executivo. E a gente está aqui que nem um cartório, só vem carimba".


"É preciso iniciar 2024 com os pés na luta, garantindo que tenha mobilização nas escolas", afirma Alejandro Guerreiro / Foto: Caco Argemi/Cpers

Na avaliação da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), a votação do pacote é mais uma demonstração da falta de diálogo do governo com a comunidade escolar porque ele está impondo projetos de lei que foram rejeitados por todas a entidades que representam professores, funcionários, alunos.

“São projetos que vão restringir a democracia dentro das escolas e que vão colocar para os municípios mais uma responsabilidade que eles já têm com o ensino básico. São projetos que não contribuem em nada para melhorar a situação da educação no nosso estado", afirma.

Ao comentar sobre o regime de urgência ter sido colocado próximo ao recesso da Assembleia, a parlamentar ressalta que o objetivo é de não haver mobilização da categoria. “É feito a toque de caixa para passar a patrola e com todo o debate em torno do ICMS muitos deputados sequer se debruçaram para estudar a fundo o que realmente são esses projetos.”

Posição do governo 

Ao apresentar os projetos para educação em outubro deste ano, Eduardo Leite (PSDB) afirmou que eles foram pensados para a melhoria da educação. "Já temos uma agenda de transformação na área com vários programas. Atuamos na formação de professores, na permanência de jovens em sala de aula, em melhorias na merenda e na infraestrutura das escolas, por exemplo”, recordou. “Agora entendemos que é o momento de dar um passo a mais também na governança da educação. Os projetos que estamos encaminhando nos permitirão construir práticas melhores, como as que observamos em estados que conseguiram avanços consistentes na qualidade do ensino.” 

Da base aliada do governo, o deputado Rodrigo Lorenzoni (PL) ressaltou que é preciso ter diretores e coordenadores de escolas comprometidos com o ensino e com os alunos. "Não comprometidos com a ideologia, com os sindicatos, com os partidos políticos. Acredito que a meritocracia é algo absolutamente importante, tanto para os dirigentes escolares quanto para os alunos. Ordem e disciplina é algo absolutamente indispensável para o processo de ensino. Escola com fomento e estímulo a sexualização precoce, ao uso de drogas não me parece o modelo adequado para ensinar nossas crianças. Acredito que a escola deve ensinar os fundamentos e desenvolver a capacidade de espírito critico e de forma livre dos nossos alunos sem ideologia partidária, sem doutrinação, sem ideologia de gênero."

Em várias falas da base aliada do governo, deputados dirigiram críticas e ataques ao Cpers e aos trabalhadores da educação que estavam presentes na votação. "Temos que aprovar todo esse pacote. Esse pacote ainda é pouco, deveríamos ir muito além. A mentalidade é escravizar o aluno nas escolas estatais dominadas pelo sindicato", disse Felipe Camozzato (Novo). 

Ministério Público (MP/RS) manifesta preocupação

Em ofício, o Ministério Público alertou, entre outros pontos, para o risco de o pacote incentivar a municipalização do ensino, retirando turmas que hoje são da educação estadual e repassando à administração dos municípios. O MP destaca que, atualmente, os gestores municipais não conseguem dar conta das suas atribuições de Educação Infantil, por exemplo.

As Promotorias Regionais de Educação, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, acompanham permanentemente o assunto e manifestaram inquietação especialmente pelo fato de que apenas 47% dos municípios do estado conseguiram atender as médias do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), no que diz respeito ao atendimento da pré-escola. A partir disso, a instituição manifestou interesse em participar da construção deste projeto. Portanto, a preocupação do Ministério Público em relação ao tema é entender se estes municípios, que hoje não conseguem atender a pré-escola, conseguirão atender o Ensino Fundamental.

Resistência continuará 

Para Alejandro Guerreiro, os projetos são “um verdadeiro retrocesso”. O estudante defende que é preciso “iniciar 2024 com os pés na luta, garantindo que tenha mobilização nas escolas, conversando com as direções, com os estudantes, para a gente não arredar o pé e ser a pedra dos sapatos do governo Leite”.

“Hoje nos demonstra que eles têm a clareza de quanto mal faz para a educação os projetos que estão aí porque se fossem bons, eles não teriam cercado toda a Assembleia para a gente não poder ter acesso, e pressionar os deputados para que votem contra. Nós vamos continuar defendendo a educação, nós vamos continuar defendendo os nossos contratos emergenciais, porque serão os primeiros a serem exonerados se tiver municipalização, e a luta continua”, ressalta Helenir.


Edição: Katia Marko