Rio Grande do Sul

QUE PAÍS É ESSE?

A choradeira de final de ano

'A turma dos banquetes de fim de ano parece sentir saudade daqueles tempos de completo retrocesso'

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Queixas gerais contra o sofrimento a que os empreendedores e empresários de bem são submetidos. Nada contra o abismo social, os gritantes e abissais desequilíbrios entre ricos, médios (cada vez mais médios) e pobres" - IStock

Uma rápida olhada nas matérias geradas pelas entidades empresariais gaúchas – indústria, comércio, serviços, turismo, agronegócio – nos seus tradicionais almoços de fim de temporada com a imprensa mostra que, ano após ano, a choradeira é a grande vedete dos encontros. Participar de alguns destes eventos chega a ser perturbador.

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Neste ano, o primeiro do governo progressista e republicano, parece que as lágrimas viraram prantos, cascatas e enchentes incontroláveis. Os governos federal e estadual foram vítimas impiedosas. Nada está bom, nada inspira esperança. Mesmo com alguns avanços, a desgraceira é geral na visão de empresários e economistas destas entidades. As análises saíram da suposta realidade que acreditam estar vivendo. Aquele mentiroso federal do passado passou incólume. Os atos golpistas nem sequer foram citados.

Bolsa família, reforma tributária, juros, transportes, logística, salário mínimo regional, entre outros temas micro e macroeconômicos, foram atacados sem dó e sem piedade. Servidores públicos foram praticamente linchados. A exigência de reforma administrativa é mantra sagrado. Tudo muito interessante. Queixas gerais contra o sofrimento a que os empreendedores e empresários de bem são submetidos. Nada contra o abismo social, os gritantes e abissais desequilíbrios entre ricos, médios (cada vez mais médios) e pobres.

Nada contra o Judiciário que promove insistentemente reajustes para si, nada contra o Centrão que não deixa o governo trabalhar e vive exigindo fatias do governo que foi eleito para aprovar certas coisas. Nada contra as mentiras, as Fake News que só atrasam o país, nada contra a fragilidade intelectual de grande parte dos congressistas (para não dizer burrice), nada contra os legisladores que querem cada vez mais dinheiro para seus partidos, sem se importar com grande parte dos brasileiros que sofrem escassez de alimentos e de educação.

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Nada também contra os destruidores do meio ambiente e sobre a redução da emissão de gás carbônico na natureza. Só lamúrias. O Brasil não é uma maravilha do primeiro mundo. É um país que vive processo de desenvolvimento há dezenas de anos, tem muitos problemas em várias frentes, mas está muito melhor do que qualquer outro país da América do Sul. Não é um caos absoluto. Tenta se reerguer depois de quatro anos de mesquinharias em todas as áreas, de ameaças golpistas, de medidas econômicas infrutíferas e perniciosas e de privatizações prejudiciais.

Para esta turma, raras foram as medidas de sucesso. O sujeito ficou quatro anos encastelado no Planalto com uma só meta: se reeleger. Perdeu. Não teve dignidade no seu governo. Foi um horror na saída. Ainda hoje vive incomodando. Não quer sair de cena como um democrata faria. Com tudo isso, agora esta turma dos banquetes de fim de ano parece sentir saudade daqueles tempos de completo retrocesso.

Quando se observa detalhadamente estes balanços e retrospectivas de entidades empresariais, como as deste ano, a gente tem a impressão, e a certeza, de que o que realmente interessa é seus ganhos, seus negócios lucrativos, em sugar, em criticar e exigir cada vez mais do governo. Não querem colaborar, nem dividir responsabilidades para o crescimento econômico do país. Até o agronegócio, o setor que mais enriquece, é um festival de queixas, mesmo recebendo os mais polpudos recursos da história para o seu setor.

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Todos eles, quase sem exceções, fazem ameaças veladas de que podem demitir, fechar, se transferir (no caso de empresas gaúchas por causa do ICMS) para outros recantos caso seus pleitos de mais proteção fiscal não forem atendidos. É difícil suportar. É impossível acreditar que algo possa mudar neste país, mesmo com mudanças estruturais e de governos mais socializantes. Ninguém da classe que se julga poderosa quer isso.

Na visão deles, as diferenças, os desequilíbrios, os contrastes e os abismos devem continuar cada vez mais profundos. Para a grande maioria desta turma só existem camionetões, luxo, fartura, dólares e euros. Para a grande maioria, as migalhas, a luta incessante por uma moradia, por uma vida digna e por pequenos prazeres da vida – uma caipirinha, uma cerveja e pouca coisa mais.

* Jornalista, ex-editor-chefe e ex-editor de Economia do Correio do Povo.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko