Rio Grande do Sul

Educação na pandemia

Sindicato dos Municipários lança manifesto por escolas fechadas, em defesa da vida

Marchezan vem insistindo em manter o retorno às atividades presenciais, mesmo sem a devida segurança nas escolas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em defesa da vida, campanha pede o não retorno das atividades presenciais na rede municipal de ensino - Simpa

O Sindicato dos Municiparios de Porto Alegre (Simpa) lançou ontem (5) manifesto em defesa da vida e da manutenção das escolas fechadas, devido a pandemia. Desde setembro, o governo municipal vem dando seguimento a um calendário de retorno às atividades presenciais, começando pelas atividades de apoio e plantões nas escolas, culminando com o retorno total das atividades presenciais em novembro, inclusive Educação de Jovens e Adultos. O Simpa, desde o início do processo, alegou não haverem as condições seguras para o retorno às escolas e se opôs ao calendário, chegando a categoria a declarar greve sanitária, em protesto ao não cumprimento de protocolos que a própria prefeitura estabeleceu.

O governo Marchezan, através da Procuradoria Geral do Município, exigiu o retorno na justiça. No dia 22 de outubro, Tribunal de Justiça do Estado acatou o pedido, e determinou o retorno imediato de toda força de trabalho às escolas, ainda estipulando multa de 40 mil reais por dia de descumprimento. O Simpa recorreu da decisão, mas perdeu. Na documentação juntada ao recurso, o Sindicato demonstrava não haverem condições seguras, com falta de equipamentos de segurança individual e de limpeza, além de condições estruturais. Naquele momento, cerca de 80 escolas da rede municipal já haviam informado não terem as condições sanitárias para o retorno, sendo que 73 destas o fizeram através de comunicação formal com a Secretaria Municipal de Educação (Smed). Além disso, 14 destas escolas haviam sido vistoriadas pela Comissão de Saúde e Segurança do Trabalho (CSST) da Prefeitura, constatando que as mesmas não atendem às normativas do próprio governo municipal.

Manifesto pede escolas fechadas para preservar a vida

Depois da determinação do Tribunal de Justiça, exigindo o retorno imediato e ainda estipulando multa, a categoria em assembleia virtual decidiu o fim do movimento de greve sanitária, mas seguindo denunciando as condições das escolas da rede. O manifesto lançado tem a intenção de fazer o registro da situação vivida pelos profissionais da rede municipal, bem como a constante preocupação com as iniciativas do governo Marchezan, é o que relata Cindi Sandri, diretora de comunicação do Simpa. "Queremos anunciar para a sociedade porto-alegrense a preocupação com a possibilidade de uma tragédia anunciada, se persistirem as iniciativas desse governo." Cindi afirma que, em seus 30 anos de atividade profissional na rede pública de Porto Alegre, nunca houve um governo que realizasse tamanha desqualificação da oferta de serviço, bem como do desmonte das estruturas de ensino.  

Segundo o manifesto, o calendário de retorno às atividades desconsidera a existência de duas determinações do governo do estado, uma da Secretaria Estadual de Educação (Portaria do dia 8 de junho) e outra em Decreto Estadual (número 55.465, de 5 de setembro), que estabelecem condições formais de retorno às aulas presenciais. A própria Promotoria Regional de Educação do Ministério Público emitiu recomendação para não retorno das atividades presenciais no município. O manifesto também levanta o fato de que, no dia 1º de outubro, às 17h, foi divulgada edição extra do Diário Oficial de Porto Alegre, contendo o Decreto 20.747, instituindo os protocolos sanitários para o retorno. Naquela noite, o secretário de Educação determinou a abertura das escolas de educação infantil em menos de uma semana. Ou seja, as escolas da rede municipal e as comunitárias conveniadas tiveram tempo para garantir o retorno. Reclama também que a verba extra prometida chegou há uma semana do retorno em algumas escolas, mas na maioria, foi disponibilizada apenas a partir da semana do dia 28.

Em relação ao atual estado das escolas, Cindi Sandri relata que faltam normativas para o retorno. Segundo a diretora, a prefeitura alega que há o decreto estadual, ao mesmo tempo em que no município se flexibiliza cada vez mais as exigências. Reclama também que falta diálogo, que o prefeito e sua equipe exigem o retorno presencial, mas não vão até as escolas para conferir as condições desse retorno.

"A atividade remota acontece desde o início da pandemia, e é fruto da mobilização voluntária de cada uma das escolas e suas equipes de professores. Não houve orientação do município, sobre a manutenção dos vínculos ou sobre como proceder com as atividades remotas. De um momento em diante, o prefeito decidiu que as escolas deveriam reabrir para atividades presenciais." Relata também que, desde então, o governo vêm insistindo muito para este retorno, se utilizando de uma suposta preocupação com o aspecto pedagógico, preocupação esta que não se demonstrava tão presente antes da pandemia.

Sobre a situação atual das escolas, relata que, quando da determinação de retorno, não haviam os recursos necessários para compra de produtos de limpeza ou de equipamentos de proteção, por exemplo. Em acordo com o manifesto lançado, Sandri demonstra preocupação com a falta de condições.

"Só para termos uma ideia, dos 90 estabelecimentos, a absoluta maioria tem problemas de arejamento, de ventilação natural. Quanto a isso, não há o que fazer, é um problema estrutural, teria que se abrir buracos nas paredes para fazer janelas. Existem salas onde, em uma parede há janelas basculantes que não abrem direito e do outro lado janelas que dão para um corredor interno. Muitas escolas têm esse desenho arquitetônico." Além da questão estrutural, há falta de profissionais para trabalhar na limpeza e higiene permanente.

Segundo o manifesto, até este momento, já foram notificados mais de 130 casos de contaminação pelo coronavírus nas escolas. Além disto, o manifesto contém a denúncia de que a Secretaria Municipal de Educação tem ameaçado com sindicância as direções de escolas que apresentam os relatórios justificando a não existência de condições sanitárias para um retorno seguro. Segundo o manifesto, a Smed assina os relatórios, mas os ignora. Além disso, houve o envio de termos de responsabilidade para os pais e responsáveis do alunos, para que estes se responsabilizem por eventuais casos de contaminações e suas consequências, se esquivando da própria responsabilidade como mantenedora da rede municipal e da segurança dos estudantes e profissionais.

Para a diretora de comunicação do Simpa, os protocolos estabelecidos de forma geral para todas as escolas não servem, devido a variedade de situações que a rede apresenta. Deveriam ser respeitadas as informações estabelecidas pelas escolas, e tomadas decisões caso a caso. Segundo ela, as direções escolares estão informando o secretário de Educação sobre as condições das escolas e que não é possível cumprir muitas determinações, muitas delas que não são função das escolas, inclusive, e sim da mantenedora.

"A partir de segunda-feira, o município determinou o retorno através de uma instrução normativa que colide com vários pontos do decreto que ele mesmo emitiu. O governo pode estar praticando um genocídio, algumas escolas já reabriram sob ameaça de processo administrativo e sindicância. Existe uma autodeclaração de condições sanitárias, quando o gestor não assina por não haverem condições, o secretário de Educação assina por conta própria sem ir até a escola para verificar as reais condições."


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Confira o manifesto na íntegra:

A educação pública municipal de Porto Alegre vive um de seus momentos mais críticos. Há anos, mas com especial ênfase a partir de 2017, quando a atual gestão assumiu o Paço Municipal, os serviços públicos em geral — e a educação em particular — têm sido sistematicamente atacados e sucateados. Até que veio 2020 e a covid-19.

A pandemia piorou o que já estava ruim, ampliou o abismo social e desnudou uma das facetas mais cruéis do atual governo municipal: o descaso com seu próprio povo. Tal descaso se traduz numa administração autoritária, que não ouve a população e que não a atende nas áreas mais elementares que constituem os direitos básicos de qualquer cidadão e cidadã, em qualquer fase da vida.

A falta de uma política educacional construída a partir do diálogo e do conhecimento da realidade da cidade desaguou no atual estágio que vivemos. Hoje, mesmo com todas as evidências que apontam para os riscos da retomada das atividades presenciais na Rede Municipal de Ensino (RME) de Porto Alegre, a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação, nas pessoas do prefeito Nelson Marchezan Jr. e do secretário Adriano Naves de Brito, insistem em impor o retorno às escolas.

Sejamos sinceros: na grande maioria das escolas municipais de Porto Alegre não há espaço e infraestrutura capazes de dar conta do distanciamento necessário entre os alunos e entre estes e os professores. Não há equipamentos de proteção individual para todos os servidores e protocolos de segurança sanitária consistentes, capazes de garantir, de fato, a proteção à saúde. Não há assistência nem orientação técnica para as direções. Não há, sequer, um monitoramento adequado dos casos de contaminação na RME que possibilite o planejamento e o estabelecimento de parâmetros minimamente condizentes com a realidade.

Ao mesmo tempo que não cumpre com seu papel de mantenedora, a Smed ameaça com sindicância as direções que apresentam relatórios explicitando a completa falta de condições sanitárias das unidades de ensino para a realização de atividades presenciais. Burlando o próprio protocolo sanitário que elaborou, a Smed assina a autodeclaração das escolas, sem verificar as reais condições de cada uma. E pede que as mães e pais de alunos assinem termos de responsabilidade para que seus filhos voltem às escolas. Ou seja, de todas as formas possíveis, o governo Marchezan se esquiva de sua missão e de suas responsabilidades como ente público.

Cabe destacar ainda que:

– O calendário de retorno às atividades, apresentado pela Prefeitura no dia 14 de setembro, não levou em conta a existência da Portaria da Seduc de 8 de junho, nem o Decreto Estadual 55.465, de 05 de setembro, que estabelece as condições formais de retorno às aulas.

– A Promotoria Regional de Educação do Ministério Público desenvolveu o projeto Verificação de Adoção de Providências para a Retomada de Atividades Presenciais em Escolas com Segurança, que foi aplicado em todo o RS. Dos 25 municípios que formam a Região Metropolitana de Porto Alegre, a Prefeitura da capital foi a única que não constituiu — até o começo de setembro, quando teve início o projeto — o Centro de Operação de Emergência (COE), requisito para  a criação das condições mínimas de segurança em um cenário de possível abertura. A falta de COE fez com que o Ministério Público Rio Grande do Sul, por meio da Promotoria de Justiça Regional da Educação, emitisse recomendação para que o município o fizesse.

– No dia 1º de outubro, às 17h, foi divulgada edição extra do Diário Oficial de Porto Alegre, publicada em 2 de outubro, contendo o Decreto 20.747, que institui os protocolos sanitários para o retorno às atividades de ensino. À noite, o secretário determinou a abertura das escolas de educação infantil a partir do dia 05/10. As escolas da rede municipal e as comunitárias conveniadas, ou parceirizadas, não tiveram, portanto, tempo hábil para o planejamento e organização do retorno. Tampouco assessoria pedagógica, técnica, sanitária e financeira. A verba extra, anunciada chegou uma semana antes em algumas escolas, mas na maioria, foi disponibilizada apenas a partir da semana de 28/09 a 02/10.

O resultado deste quadro desolador, da imposição de retorno dos servidores às atividades presenciais mesmo em condições adversas, bem como o estímulo irresponsável para que os alunos voltem às escolas, é que, até este momento, já foram notificados mais de 130 casos de contaminação pelo coronavírus nas escolas.

É neste contexto grave — mas que tem sido minimizado ou naturalizado pelo governo municipal — que se desenvolve o atual estágio de resistência e luta dos servidores e servidoras da educação, bem como de sua entidade sindical, o Simpa.

Não foram poucas as tentativas de diálogo, de reunião, de pedidos de informação por parte do Sindicato. Não foram poucas as tentativas de sensibilizar a Prefeitura por meio de ações junto ao Legislativo, aos órgãos de controle e ao Judiciário. Também não foi de repente que a categoria decidiu pela greve sanitária, que se estendeu do dia 19 ao dia 23 de outubro, como forma de protestar e exigir a preservação da vida. Antes, os servidores deflagraram um processo de estado de greve, que teve início no dia 25 de setembro, a fim de chamar atenção da gestão municipal para a situação. Além de todas essas ações, o Simpa investiu em campanhas com o objetivo de alertar a Prefeitura e a população sobre os riscos da retomada. E, para demonstrar o que defende, o sindicato contratou um serviço técnico de vistoria cuja missão é comprovar as inconsistências e insuficiências das medidas anunciadas pela Prefeitura, mostrando que as mesmas não garantem o respeito à saúde e à vida.

O que o Simpa tem exigido da Prefeitura é algo bastante plausível e até óbvio. Afinal, num momento de pandemia — em que faltam ações enérgicas e consistentes desde o âmbito federal, passando pelo RS e o município de Porto Alegre; em que ainda se espera pela vacina que poderá estancar a disseminação da doença; em que faltam testagem em massa e políticas de acompanhamento da população desde a atenção básica —, o mínimo que se pode fazer é manter as atividades presenciais suspensas.

Considerando todo o cenário acima exposto e o grau de transmissibilidade e de letalidade da covid-19, quando nós, servidores e Sindicato, pedimos que as escolas permaneçam fechadas, estamos dizendo, de maneira realista, que esta é, atualmente, a única forma de sermos consequentes e responsáveis com algo que está acima de qualquer valor: a preservação da vida.

Sindicato dos Municipários de Porto Alegre

Edição: Katia Marko