Rio Grande do Sul

Cultura Negra

Produtora Stay Black promove artistas negros do RS e lança projeto "Tem Preto no Sul"

Criada em Pelotas, produtora hoje está instalada na região Metropolitana da Capital; confira entrevista com idealizadora

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A pelotense Bartira “BART” Val Marques idealizou a produtora cultural Stay Black - Divulgação

A Stay Black é uma produtora voltada para a promoção e produção de artistas negros do Sul do país. Segundo o site, além de produtora, eles se denominam um coletivo cultural, cujo objetivo é a visibilidade de pessoas pretas em diversas áreas.

O coletivo/produtora surgiu na cidade de Pelotas, na zona Sul do estado, no ano de 2016, inicialmente voltado para a organização de eventos de rua e festas. Em pouco tempo, a atuação se expandiu para a realização de rodas de conversa, eventos de poesia, oficinas, entre outras atividades.

Atualmente, a Stay Black está instalada na região Metropolitana de Porto Alegre. O projeto mais recente deles é o "Tem Preto no Sul", uma iniciativa viabilizada através de recursos provenientes de editais de fomento à cultura. Foram produzidos e lançados álbuns de três artistas pretos do RS, selecionados através de critérios de diversidade.

O Brasil de Fato RS conversou com a Bartira Val Marques, ela é uma das responsáveis pela Stay Black desde o seu início e também é MC e poetisa (conheça um pouco do trabalho dela aqui). Ela nos contou sobre a história da produtora, falou sobre a importância das leis de fomento à cultura e o trabalho com a produção cultural no atual contexto de pandemia.

Bartira também deu um relato sobre o que se trata o projeto "Tem Preto no Sul" e seu legado para a cultura do RS. É possível conhecer o trabalho da Stay Black e seus artistas através de suas redes sociais (Instagram e Facebook). O site da produtora está em construção, mas já podem ser conferidos alguns conteúdos como um catálogo de artistas pretos e uma loja virtual que estará totalmente construída em breve.

Todos os trabalhos dos artistas que integraram o projeto "Tem Preto no Sul" estarão disponíveis para download, inclusive o documentário que está sendo finalizado, além do festival de conclusão, realizado no dia 14 de maio. Além disso, todo este material será transformado em cópias físicas para serem distribuídas na rede pública de ensino de Pelotas.


A Stay Black é uma produtora/coletivo que surgiu em Pelotas, com produção de eventos de rua / Reprodução

Confira a entrevista com Bartira Val Marques, da Stay Black

Brasil de Fato RS - Fala um pouco sobre a história da Stay Black.

Bartira Val Marques - A Stay Black surgiu em 2016 na cidade de Pelotas, a partir da necessidade de termos espaços para artistas negros. Eu, como uma artista negra, senti que havia essa necessidade, pois tínhamos um escanteamento. Por mais que nos chamassem para tocar em casas de shows, por exemplo, não havia casas comandadas por artistas negros. Eu já havia começado a trabalhar com um coletivo voltado para a visibilidade feminina, que era outra pauta urgente naquele momento em Pelotas.

Precisávamos de mais mulheres tocando e se apresentando. Ali eu comecei a pensar também que seria legal termos espaço para pessoa pretas, por perceber que os espaços davam lugar para a cultura negra, mas não para pessoas negras. Pessoas brancas cantando rap ou funk, por exemplo, tinham mais visibilidade que pessoas negras. Então a ideia da produtora era também dar espaço para pessoas pretas, não somente para os artistas, mas também para poder ter um público maior de pessoas pretas nos eventos que a gente fazia.

A partir dai começamos a Stay Black na parte de produção cultural, voltada para a realização de eventos. Na sequência, expandimos para outras atividades. Passamos a fazer oficinas em escolas, palestras, rodas de conversa, eventos de poesia, debates, tudo isso foi ampliando nossa atuação. Começou com a organização de festas, mas foi virando uma organização social, pensando em mexer com as estruturas da sociedade. Ampliar espaços de pessoas pretas, para além de uma cota em um espaço branco, mas um espaço todo nosso.

BdFRS - Por que o trabalho com artistas negros, qual a importância de uma produtora voltada para esses artistas?

Bartira - O trabalho com artistas negros é importante aqui no Rio Grande do Sul, onde concentramos uma minoria da população. É importante justamente para que a gente tenha uma estrutura nossa, onde possamos pensar em tudo, pra ir atrás de recursos e ter poder pra fazer o que precisamos para crescer, até mesmo pra existir. Muitas vezes os artistas negros não têm essa estrutura, não tem um estúdio, não tem um equipamento. Nossa ideia é também poder viabilizar o acesso a essas pessoas pretas.

No momento, nós não temos ainda todos esses recursos, mas queremos crescer e ter também artistas negros que possam ser assessorados. A gente vive numa sociedade racista, e isso contribui para que esses artistas sejam apagados no nosso estado. A própria história dos pretos foi apagada no nosso estado.

A gente tenta reconstruir e contar um pouco dessas histórias, cada um através de sua narrativa. Tudo isso para que a gente possa pensar e construir um futuro diferente para os pretos, onde possamos ter um certo poder, um empoderamento que seja efetivo.

BdFRS - Qual o impacto da pandemia no trabalho de vocês?

Bartira - A pandemia impactou nosso trabalho diretamente, o setor cultural foi o primeiro a parar. No momento em que foi declarada a pandemia no mundo, nós tivemos datas canceladas, a gente recém tinha sido aprovada no edital da Natura Musical, que era pra desenvolver o projeto "Tem Preto no Sul", onde faríamos oficinas e eventos presenciais. Tudo teve que ser mudado, nesse eixo dos projetos que estavam previstos para acontecer, até a gravação do meu disco, que eu iria para São Paulo fazer as gravações, tivemos que fazer tudo a distância.

O "Tem Preto no Sul" fez oficinas online, meu álbum teve produção à distância. Alterou tudo, toda a dinâmica, inclusive no sentido financeiro, porque tivemos que aprender a viver com menos e correr mais, com menos datas e sem cachê. A arte é nosso único meio de sustento, então nossa vida mudou completamente.

A gente tá tentando pensar novas formas de fazer arte, fazer cultura, pra quando a gente poder voltar [com os eventos]. Não tem como saber como vai ser ainda, mesmo quando estiver todo mundo vacinado, estamos a espera de soluções.

BdFRS - As leis de fomento à cultura são importantes?

Bartira - As leis de fomento a cultura são muito importantes, necessárias, principalmente em um momento em que a gente não pode estar na rua fazendo cultura, que é uma coisa que a gente não faz só dentro de casa, precisa estar no contato com as pessoas pra estar produzindo. 

Nesse momento, essas leis de fomento são muito importantes. Tivemos a Aldir Blanc, que acredito que ergueu muitos artistas. Acho que essa parte dos editais precisa ser mais acessível, tem que passar por uma desburocratização, ainda é muito difícil pra quem está na ponta, pra quem faz arte na periferia e nas comunidades ter acesso às leis de fomento. Os editais ainda são acessados por uma maioria elitista que estamos acostumados a ver.

O Brasil é um país de famílias brancas herdeiras de colonizadores, isso segue por todos os setores da sociedade, inclusive na cultura. Então eu acho que as leis de incentivo à cultura precisam melhorar ainda no acesso. Mas as leis são necessárias, é o que está salvando a maioria dos artistas no Brasil hoje.

BdFRS - Queria que tu falasse sobre o projeto mais recente, o "Tem Preto no Sul".

Bartira - O projeto "Tem Preto no Sul" vem da própria ideia da Stay Black, de fomentar a cultura entre pessoas pretas, de dar visibilidade e protagonismo. A produtora surge muito de um período, em 2016, que eu participei do 1º Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros (EECUN), no Rio de Janeiro. Lá, a gente teve debates sobre a união do povo preto, e eu estava a pouco tempo introduzida no movimento negro. Aquela foi uma das experiências mais incríveis que eu tive, por ser gaúcha e não ter essa vivência de ver muitos pretos juntos.

Eu lembro da gente ter saído de ônibus daqui do RS, passamos por Santa Catarina, e quando paramos no Paraná estávamos com todos os pretos reunidos da região Sul. O pessoal gritava "vamos pro EECUN, tem preto no Sul!", e eu fiquei com aquilo na cabeça, vamos chegar lá no evento e mostrar que tem preto no Sul. Existe muito esse mito de que não tem negro no Sul e que é por isso que aqui é uma região racista.

O "Tem Preto no Sul" tem essa abordagem, de chegar num edital nacional, que foi o da Natura Musical, e mostrar pro Brasil que estamos trabalhando com os artistas pretos daqui e que tem preto aqui sim! Na música, na fotografia, no design, em qualquer área. O nome vem dai, por causa desse apagamento. Estamos ampliando nosso trabalho agora que podemos ter esse recurso para investir nos nossos artistas pretos aqui do Sul.

O contato com os artistas foi feito todo através de plataformas online. Apesar disso, a gente conseguiu fazer um trabalho muito legal, tivemos oficinas de percussão, de produção musical e composição e escrita criativa. Foi muito legal poder ter o contato com esses artistas, de diferentes cidades. Os artistas selecionados passaram por uma curadoria da DJ Helô, do Zudizilla e do Rafuagi, os três gaúchos.

Deixamos especificado que, entre os selecionados, atenderíamos critérios de diversidade. Então temos a Duda Fênix, que é uma mulher trans preta, temos a 50 Tons de Pretas, que são uma dupla de mulheres e tem o Dona Conceição, que é um homem preto, dentro das três vagas que estipulamos para distribuir o recurso.

Os trabalhos ficaram muito bonitos, são pessoas realmente talentosas, a gente conseguiu construir um caminho que queremos continuar e ampliar no futuro. Inclusive agora estamos com um artista que produzimos de forma independente, que é o Isaque Acosta, um cantor de R&B contemporâneo, natural de Rio Grande.

É um menino negro, LGBT, que vem de uma vivência evangélica, colonizadora, a gente sabe como o cristianismo se infiltra entre as famílias negras. Agora, através do trabalho dele, ele vem expressando como é ser livre dessas coisas. Está sendo muito legal trabalhar com ele e outros artistas nessa parte da produção executiva, no sentido de assessorar os projetos, de pensar não só a música, mas como vai lançar, como vai ser feita a distribuição. Estamos agora trabalhando a parte do selo musical, para trabalhar essa parte toda.


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Edição: Katia Marko