Rio Grande do Sul

NOVO GOVERNO

O Brasil espera muito, mas Lula vai encontrar um país devastado

Depois da política de terra arrasada dos últimos quatro anos, o grande desafio será a reconstrução

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Presidente eleito Lula (PT) durante ato em Porto Alegre no segundo turno da campanha eleitoral - Foto: Ricardo Stuckert

Ao subir a rampa no próximo 1º de janeiro dando a largada do seu terceiro mandato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva começará a cumprir suas promessas de campanha.

No rol de compromissos, figuram o Bolsa Família de R$ 600, mais R$ 150 por criança da família e o reajuste do salário mínimo acima da inflação. É um desafio que traz um elemento complicador: será enfrentado após o mais devastador governo que o Brasil já conheceu.

Desde 2019, soprou um vento de destruição varrendo a saúde, a educação, a ciência, o meio ambiente e tantas outras frentes. No orçamento de 2023, o tamanho do rombo é calculado em R$ 150 bilhões. Isto nas contas do governo Bolsonaro. Na avaliação do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, são mais de R$ 400 bilhões.

O coordenador dos grupos do Gabinete de Transição, Aloizio Mercadante, afirma que a situação é de “urgência em todas as áreas”, causada pelo desmonte do Estado. Diz ainda que o Congresso precisa tomar logo uma decisão. “A folha de pagamento (Auxílio Brasil) tem que rodar para janeiro, a pandemia (está) se expandindo, as crianças não estão sendo vacinadas e não há estatísticas”, critica.
Luiz Inácio Lula da Silva saúda a multidão na Avenida Paulista, após discurso histórico de reconstrução do país / Foto: Ricardo Stuckert

Acompanhe aqui as ideias de quem está voltando ao poder em Brasília e a herança maldita a sua espreita:

Meio ambiente


Queimadas e destruição da Amazônia alcançaram recordes nos últimos anos / Foto: Greenpeace

Lula está comprometido em dar um basta à destruição da Amazônia, banindo a grilagem de terras, o garimpo ilegal e a extração criminosa de madeira. Porém, de janeiro a setembro de 2022, a área de floresta derrubada na Amazônia Legal atingiu 9.069 km², ou seja, quase oito vezes a área da cidade do Rio de Janeiro. Será preciso remontar novamente todo o sistema de fiscalização e desarmar os infratores. A ex-ministra Marina Silva diz que ruralistas e grileiros estão apressando “a passagem da boiada antes de Lula assumir”.

Educação

Foram cinco ministros em quatro anos, um recorde. Ricardo Vélez, depois Abraham Weintraub, seguido por Carlos Alberto Decotelli – que só ficou cinco dias no cargo – logo Milton Ribeiro e, hoje, Victor Godoy. Administrações movidas pela guerra ideológica. Dois deles, Weintraub e Ribeiro, saíram do ministério sob suspeita de malfeitos. Ribeiro chegou a ser preso em meio a acusações de uso político da pasta que estaria favorecendo pastores evangélicos de forma ilegal. Durante quatro anos, Bolsonaro não reajustou as verbas destinadas à merenda escolar. E, para 2023, não há previsão de verbas para livros didáticos do ensino fundamental, o que pode afetar 12 milhões de crianças. Para a instituição Todos pela Educação, é a “pior gestão da história” da pasta.

Pandemia

O Brasil terá que enfrentar a pandemia – que está retornando – aplicando a vacina para as novas variantes do coronavírus, o que ainda não fez. Enquanto isso, está chegando nas 700 mil mortes por covid-19. É o segundo nesse ranking sinistro, atrás apenas dos EUA. Teve 125 vezes mais mortes do que a China. O caos envolveu quatro ministros da Saúde, sendo o último um general. Desde o começo, Bolsonaro atacou a vacina que poderia transformar alguém “em jacaré” ou “causar AIDS” e debochou dos doentes que morriam com falta de ar. Em vez de comprar as vacinas oferecidas ao Brasil, apostou na cloroquina. Enquanto alguns países já vacinavam no final de 2020, o Brasil só começou em 2021. O relatório final da CPI da Pandemia pediu 69 indiciamentos, entre eles o de Bolsonaro.

Cultura

Em guerra contra a cultura, o governo atual massacrou o setor. Agora, porém, deve ganhar novo impulso. A começar pela decisão de recriar o Ministério da Cultura - hoje se resume a uma secretaria dentro da pasta de Turismo e de desobstruir a Lei Rouanet. Será implantado o Sistema Nacional de Cultura, descentralizando recursos e favorecendo estados e municípios. Na proposta, a cultura deve ser vista como uma indústria capaz de gerar mais empregos e renda.

Segurança

O desmonte na área é tão grande que a Polícia Federal ficou sem verba para imprimir passaportes e pagar diárias para agentes que combatem o tráfico na Amazônia. Já a Polícia Rodoviária Federal alega faltar dinheiro para a manutenção dos seus veículos e, assim, poder fiscalizar e desobstruir rodovias. Segundo o coordenador do setor no Gabinete de Transição, senador Flávio Dino (PSB), é urgente obter os recursos, em torno de R$ 76 milhões, apenas para fechar as contas de 2022.

Agricultura

Quando 33,1 milhões de pessoas passam fome, Lula quer garantir a segurança alimentar dos brasileiros com uma agricultura e pecuária "comprometidas com a sustentabilidade ambiental e social". O que se fará, por exemplo, com maior apoio à agricultura familiar, à reforma agrária, à agroecologia e através de um programa de compras públicas para estimular a produção de alimentos saudáveis. O programa do novo governo prevê a criação de uma "agroindústria de primeira linha" e o fortalecimento da produção nacional de insumos, máquinas e implementos. Para combater a inflação dos alimentos, pretende retomar a proposta de estoques reguladores para impedir a escassez e a consequente alta dos preços no mercado.    

Saúde

Cortes no orçamento, escassez de vacinas e remédios básicos, filas para cirurgias e apagão de dados. É o quadro da dor no Ministério da Saúde. Pior: R$ 10 bilhões da pasta foram remanejados para o “Orçamento Secreto”, onde o dinheiro público some e não se sabe como nem onde. E o programa Farmácia Popular, que alcança aquele medicamento para quem não pode pagar por ele, sofreu uma tesourada de 50% de seus recursos. Doenças, antes controladas, voltaram a matar. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) teve amputado metade do seu orçamento. A cobertura de vacinação – tumultuada por notícias falsas – contra sarampo, caxumba e rubéola caiu de 93% em 2019, para apenas 71% em 2021. Será preciso reativar a produção nacional de vacinas.


Luiz Inácio Lula da Silva saúda a multidão na Avenida Paulista, após discurso histórico de reconstrução do país / Foto: Ricardo Stuckert

Obras

Bolsonaro sugou 83% do orçamento do desenvolvimento regional, afetando áreas como habitação e saneamento básico, ou seja, os mais pobres. Mais: praticamente não há recursos previstos para a atuação da Defesa Civil nas cheias que costumam ocorrer no começo de cada ano. O montante para ser usado no combate e socorro às inundações e outros desastres se resume a R$ 2 milhões, valor considerado ridículo. Os recursos da pasta, segundo descobriu o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), foram sugados pelo chamado “Orçamento Secreto”, com que o candidato/presidente afagou seus apoiadores no Congresso. Para cuidar de 60 mil km de rodovias, Bolsonaro deixou para Lula o orçamento mais baixo da história do país.

Trabalho e salário

Volta ao trabalho com carteira assinada e salário digno são outras duas promessas. Mas a reforma trabalhista deixada pelos governos Temer e Bolsonaro esmagou o poder de compra dos salários. Embora a taxa de desemprego tenha recuado um pouco em 2022, a massa salarial não aumentou. O salário-mínimo nacional está em R$ 1.212. Desde que Bolsonaro assumiu, não houve nenhum reajuste real de salário e nem mesmo a reposição da inflação. Uma das propostas de Lula é reajustar o mínimo acima da inflação.

Direitos humanos

“Bolsonaro foi um desastre para os direitos humanos”, definiu a organização Human Rights Watch. Ataques a mulheres, negros, indígenas, homossexuais, jornalistas e imigrantes foram frequentes. A cargo da pastora Damares Alves, a pasta misturou política e religião. Houve redução nos valores para combate ao racismo e para a proteção de crianças e jovens.  Inauguradas nos governos do PT, as políticas afirmativas foram esquecidas nos últimos quatro anos. Lula defende as cotas sociais e raciais nas universidades e nos concursos públicos federais, além de ampliar seu raio de ação. Seu plano cita, ainda, a expressão “identidade de gênero” como categoria a ser reconhecida. E a população LGBTQIA+ é referida ao lado do combate à violência e pela promoção de direitos.

Militares


Desmilitarizar a administração do Estado e enfrentar arroubos golpistas das Forças Armadas será um dos maiores desafios do novo governo Lula / Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

Sob Bolsonaro, a política avançou sobre os quartéis, algo muito ruim para a democracia. O presidente entupiu a administração federal com oficiais das três armas nomeados para cargos de confiança antes ocupados por civis. O novo governo entende que a função dos militares é outra. O ministro da Defesa será um civil. Cerca de 6,5 mil militares da reserva ingressaram na administração federal abocanhando um segundo contracheque. Para agravar o quadro, outros 79 mil foram aquinhoados com o Auxílio Emergencial, embora dele não necessitassem.

Ciência e tecnologia

Ciência e tecnologia foram sucateadas desde 2019 com cortes e congelamento de recursos. Neste ano, por exemplo, o setor perdeu R$ 1,7 bilhão. Para 2023, a gestão que chega ao fim cortou mais 21% no orçamento aprovado. O futuro presidente quer fortalecer o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), outra vítima da tesoura de Bolsonaro. Neste ano, ele bloqueou os recursos do Sistema até 2026. E as bolsas de mestrado (R$ 1,5 mil) e doutorado (R$ 2,2 mil) estão com os valores congelados há nove anos. O último reajuste aconteceu no governo Dilma.

Diplomacia

Lula já está reposicionando o Brasil no mundo, reaproximando-se dos parceiros da América do Sul, dos Estados Unidos, da China, da França, da Alemanha, da Noruega. Na contramão das diretrizes seguidas por todos os governos anteriores, Bolsonaro isolou o Brasil no mundo. Produziu crises em sequência, inclusive com a China – nosso maior parceiro comercial. E se aproximou de governos autoritários como os da Hungria, Polônia e Arábia Saudita. Seu ex-chanceler, Ernesto Araújo, atacou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e chegou a dizer ter orgulho do Brasil se tornar “um pária” internacional.


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Edição: Katia Marko